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quarta-feira, 12 de dezembro de 2018

Geringonça (13): Sacrifício do investimento público


1. Ao longo destes anos, a despesa pública subiu consistentemente, mas o investimento público ficou longe de acompanhar essa subida. Apesar de alguma recuperação nos últimos dois anos em relação aos mínimos de 2016, o rácio investimento público-PIB mantém-se muito baixo no corrente ano (~2%), como mostra a figura junta (retirada DAQUI).
Além da redução do défice orçamental, a "folga" financeira proporcionada pelo crescimento da receita (mercê do crescimento económico e do emprego e da baixa dos juros da dívida pública) foi destinada preferencialmente ao aumento das remunerações da função pública, das pensões e das prestações sociais, à custa do investimento público. Geringonça oblige!

2. Em consequência disso, Portugal tem um dos menores rácios investimento público/PIB da UE e da OCDE, ultrapassado somente pela Itália. Ora, num país com baixa taxa de poupança interna e de investimento privado, o investimento público é crucial para sustentar o crescimento da economia e do emprego.
Quando arrefecer o atual ritmo de crescimento económico - essencialmente alimentado por condições externas favoráveis -, Portugal pode vir a pagar caro esta continuada secundarização do investimento público nas opções orçamentais.

sexta-feira, 12 de novembro de 2021

Ai Portugal (8): Assim não vamos lá

1. Este gráfico, colhido AQUI, evidencia uma das razões pelas quais Portugal vai perdendo posições no ranking do PIB dos países da União -, que é o baixo nível do investimento público.

É certo que segundo o rejeitado orçamento para 2022 se previa um aumento significativo do investimento público em relação a 2019, não somente do que é financiado por fundos da UE (nomeadamente o FRR), mas também do que é financiado com recursos nacionais. Mas, mesmo que o investimento projetado venha a ter lugar apesar da rejeição do orçamento, Portugal, embora deixando a posição de "lanterna vermelha" que tinha em 2019, apenas passará a ser o quarto País com menor investimento público em percentagem do PIB, muito abaixo da média da União, e muitíssmo abaixo da generalidade dos países do Leste europeu, que assim vão continuar a ultrapassar-nos na corrida da convergência dentro da UE

2. Ora, sendo notório que Portugal não tem uma carga fiscal propriamente baixa e tem um nível comparativamente alto de despesa pública, o défice de investimento público só pode dever-se ao facto de haver uma proporção demasiado elevada de despesa corrente (salários, pensões e outras tranferências, etc.). O que se gasta a mais em despesa corrente não sobra para investimento.

Assim não vamos lá. Nem o FRR nos vale...

domingo, 19 de abril de 2020

Lisbon first (23): O outro país

1. A crise da pandemia revelou um outro país, cuja existência tendemos a ignorar em condições normais, ou seja, o país das famílias em que não há um computador para permitir às crianças em idade escolar seguirem estudos à distância no período de encerramento das escolas ou em que existem freguesias do interior onde não existe internet de banda larga para o mesmo efeito.
Ora, para que esses dois instrumentos de trabalho essenciais nos dias de hoje possam estar disponíveis universalmente em Portugal torna-se necessário assumi-los como prioridade de investimento público, em vez de o Estado, por exemplo, gastar centenas de milhões de euros na construção do metropolitano de Lisboa e do Porto (o que devia ser encargo municipal ou intermunicipal) ou no apoio financeiro a rendas mais acessíveis para a média burguesia urbana no centro de Lisboa, por mais rentáveis que tais investimentos sejam, como são, eleitoralmente falando.
O "dividendo eleitoral" não deve ser o primeiro critério do investimento público, como é usual.

2. Num "Estado social", como o nosso, a repartição do investimento público não é somente uma questão de prioridades económicas mas também uma questão de prioridades sociais. No final da segunda década do séc. XXI, na Europa, não é admissível que haja crianças em idade escolar sem computador, nem comunidades locais sem internet de banda larga.
Num país com as disparidades descritas, a integração social e territorial - que, aliás, constitui uma obrigação constitucional do Estado entre nós - tem de estar à cabeça das prioridades políticas do investimento público. Sobretudo, quando se trata de um Governo de esquerda!

quinta-feira, 19 de novembro de 2020

Ai o défice (13): A maldição dos governos minoritários

1. O Governo tem toda a razão em denunciar a leviandade orçamental do PSD, com o aumento de despesa pública que as suas propostas orçamentais implicariam, tanto mais que elas têm toda a probabilidade de ser aprovadas, com o voto oportunista dos partidos de esquerda.

Mas, pela mesma medida, o Governo deveria revelar qual o aumento de despesa que importam as várias cedências feitas ao Bloco de Esquerda (enquanto esteve à mesa das negociações) e ao PCP, para obter a aprovação do orçamento

Infelizmente, apesar da retórica de Rui Rio, sob o ponto de vista orçamental, o PSD compete com a extrema-esquerda na exploração da vulnerabilidade parlamentar do Governo.

2. Um coisa é certa: o orçamento que está para ser aprovado vai ter o défice substancialmente agravado por via do aumento da despesa corrente. 

Mesmo que o Governo, através de cativações, venha o atenuar o défice na execução orçamental, a principal vítima será o investimento público, ao contrário do que devia suceder numa recessão económica, como aquela em que nos encontramos, que deprime o investimento privado.

3. É a maldição dos governos minoritários, condenados a aumentar a despesa pública corrente e a sacrificar o investimento público (o que, no caso de um governo de esquerda, constitui uma grave contradição política). 

Em tempos de "vacas gordas" orçamentais, quando a economia e o emprego "bombeiam" receita tributária, a despesa pública com proteção social se reduz e o investimento privado aumenta, é possível manter o défice sob controlo (ou até reduzi-lo) e a economia a crescer. Quando uma recessão chega, porém, tudo vira ao contrário. 

É então que os governos minoritários correm o risco de perder margem de manobra orçamental (e política).

Adenda
Um leitor argumenta que o Governo está à espera do "pote" de dinheiro grátis da UE para financiar o investimento público, podendo por isso gastar toda a receita ordinária em despesa corrente. Penso, porém, que a cornucópia da União - que foi desenhada especificamente para recuperar a economia dos estragos da COVID -19 - devia financiar investimento adicional, sem prejudicar o investimento normal financiado pelas receitas ordinárias.  Penso mesmo que, enquanto durar o programa da "bazuca" europeia, deveria haver separação entre o orçamento ordinário e o orçamento extraordinário financiado por aquela, a fim de tornar mais transparente a gestão desta.

sexta-feira, 13 de janeiro de 2017

Contradições

«O peso do investimento público português no Produto Interno Bruto (PIB) em 2016 foi o mais baixo de sempre, de acordo com dados da Associação de Empresas de Construção e Obras Públicas e Serviços (AECOPS). No ano passado, o investimento ficou nos 3,41 mil milhões de euros, o que representa uma diminuição de 16,5% em relação a 2015».
Com a economia a crescer menos do que o desejável, o único meio de compatibilizar os custos orçamentais da "recuperação de rendimentos" com o cumprimento das metas de consolidação orçamental exigidas pela União Europeia foi cortar a fundo no investimento público, abandonando a sua incontornável contribuição para o crescimento económico (que, por isso, ficou abaixo da meta inicialmente prevista e abaixo da média da União). Não havendo dinheiro para tudo, houve obviamente que fazer escolhas políticas, sacrificando o investimento.
Mas não deixa de ser embaraçoso ver um Governo de esquerda - que, por princípio, se espera valorizar o papel do Estado na economia - cortar desta maneira no investimento, o que condiz melhor com opções políticas de sinal contrário. Decididamente, o fim antecipado da austeridade nos rendimentos foi conseguido à custa de uma severa austeridade no investimento público. O tempo dirá se foi a opção certa...

sexta-feira, 31 de outubro de 2008

MFL no seu labirinto

Manuela Ferreira Leite propõe alterações ao Orçamento que implicariam um aumento de despesa pública superior a 700 milhões de euros (na sua própria estimativa). Para compensar essa despesa a mais, propõe um corte no investimento público, de igual montante.
Esta proposta é, desde logo, estranha e incoerente, porque nestes anos o PSD tem criticado o Governo justamente por ter sacrificado o investimento público no altar da redução do défice orçamental. Mas, para quem julgue que o alvo a abater são os grandes projectos de obras públicas (aeroporto, TGV, autoestradas, barragens, etc.), contra os quais MFL tem estado em cruzada, deve desenganar-se, pois tais obras constituem essencialmente investimento privado e têm reduzida expressão em 2009. Portanto, aquele nutrido corte no investimento público tem de ser feito noutros projectos de investimento que representem aquele montante. A Presidente do PSD tem obrigação de dizer quais...

quarta-feira, 15 de dezembro de 2021

Sim, mas (7): Voluntarismo oneroso

1. Sendo desde há muito um firme defensor, incluindo por razões ambientais, do resgate da ferrovia de décadas de abandono político, entendo, porém, que num país que não abunda em recursos financeiros todos os investimentos públicos têm de obedecer a parâmetros de racionalidade económica em termos de custos e benefícios coletivos, não podendo ser o resultado de volutarismo orçamentalmente irresponsável.

É por isso que não pode deixar de supreender o anúncio, que a Ministra da Coesão Territorial acaba de fazer, do restabelecimento da linha do Douro no troço Pocinho -Barca de Alva, há muito abandonado, sem invocar e sem, muito menos, disponiblizar os estudos que mostram a viabilidade financeira desse pesado investimento.

Eis algumas perguntas que têm de ser respondidas pelo Ministro das Infraestruturas: Essa ligação quanto custará? E serviria para transportar quantas pessoas por dia? E qual seria o défice de exploração?

2. Se se acha que faz sentido restaurar um troço ferroviário em território de baixa densidade populacional, encerrado há anos por falta de procura, será que igual reivindicação não vai surgir em relação a outras linhas encerradas, como os vários ramais do Douro, a linha do Vouga, o ramal Viseu-Santa Comba Dão, o troço da linha da Beira Alta entre Pampilhosa e Figueira da Foz, as várias linhas do Alentejo? 

E se só aquela linha é restaurada, qual o fundamento para o privilégio?

Denunciando há muito tempo o défice de investimento público em Portugal, há, porém, uma coisa que tenho por certa: pior que a falta de investimento público é o investimento público ruinoso, delapidando os escassos recursos existentes.

sexta-feira, 23 de outubro de 2020

Lisbon first (22): Eles comem tudo!

1. Eis a manchete do Jornal de Notícias de ontem: dois mil milhões de euros do plano nacional de investimentos só para os metropolitanos de Lisboa e do Porto, mais para o primeiro do que para o segundo.

O Estado insiste em fazer o País todo pagar os transportes urbanos das duas principais cidades, que deviam ser de responsabilidade municipal ou intermunicipal, segundo um elementar princípio de descentralização territorial e de "federalismo fiscal". Num Estado territorialmente descentralizado, aliás por imposição constitucional,  não faz sentido que seja o Governo central a gerir e a financiar linhas de metropolitano.

Mas é evidente que é nessas duas cidades que se concentram os eleitores (somente à sua conta, elegem mais do que 80 deputados) e que no próximo ano vai haver eleições municipais.

2. Enquanto a cornucópia do orçamento despeja investimento público do Estado nas duas principais cidades em tarefas que deviam ser responsabilidade local, Coimbra, por exemplo, continua a ver adiados alguns investimentos estruturais, da responsabilidade do Estado, em alguns casos com décadasde atraso, como a nova estação ferroviária, a nova Maternidade, a nova Penitenciária e o novo tribunal. O que abunda para as cidades favoritas do poder escasseia para as demais.

O que surpreende é o gritante silêncio dos deputados por Coimbra e do próprio município de Coimbra perante esta iniquidade na repartição territorial do investimento público do Estado. A solidariedade partidária não pode justificar tudo.

[revisto]

Adenda
Um leitor argumenta que Coimbra também beneficia do financiamento do Estado para o Metrobus.  Mas não é a mesma coisa. O "Sistema de Mobilidade do Mondego" consiste essencialmente no reaproveitamento do antigo ramal ferroviário da Lousã, que era uma responsabilidade do Estado, tal como as demais linhas férreas. O unico acréscimo, que representa uma pequena fração do investimento, é uma ligação dessa linha aos Hospitais da Universidade, que, a meu ver, deveria ser financiada pela município de Coimbra, por se tratar de transporte urbano de âmbito local. Nada de comum, portanto, com o gigantesco financiamento da rede do metropolitano de Lisboa e do Porto pelo Estado.

Adenda (2) 
Um leitor menos benévolo diz que não é somente o peso eleitoral dos Lisboa e do Porto que justifica os seus privilegios quanto ao investimento público, mas também o facto de os ministros e restantes membros do Governo serem quase exclusivamente oriundos dessas duas cidades. 

Adenda (3) 
Comentário de um leitor:«O nosso País já está de facto regionalizado. O país DE PRIMEIRA tem duas regiões, a área metropolitana de Lisboa e a área metropolitana do Porto, e depois há uma terceira região, que pode designar-se apropriadamente O RESTO do país 
 Nem mais!

segunda-feira, 19 de fevereiro de 2018

Lisbon first (6): O caso de Coimbra

1. Para avaliar os privilégios de Lisboa em matéria de investimento público, onde ele nunca falta, mesmo quando não se devia tratar de responsabilidade do Estado (ver post precedente), basta referir o caso de Coimbra, onde investimentos prioritários esperam anos e anos sem execução, como é o caso das obras de recuperação da Escola Secundária José Falcão (na imagem), uma das principais da cidade, há anos em acentuada degradação.
Mas a este exemplo do "esquecimento" central podem acrescentar-se muitos outros, por vezes com atraso de décadas, como por exemplo:
- a construção de uma verdadeira estação ferroviária, substituindo o desconfortável "apeadeiro" existente;
- o "sistema de mobilidade do Mondego", em substituição da antiga linha férrea do ramal da Lousã, que foi desativada em troca de um prometido "metropolitano de superfície", nunca posto em obra, muitos anos e muitos projetos depois;
- a construção de um novo tribunal, há muito projetado, acabando com a dispersão dos vários tribunais por diferentes instalações da cidade;
- a solução da ligação em autoestrada entre Coimbra e Viseu, atualmente ligadas pelo acanhado e fatídico IP3, apesar das diferentes soluções já aventadas;
- a conclusão do acesso à cidade da A13 (autoestrada Tomar-Coimbra), abruptamente interrompida a  alguns quilómetro da cidade.
Coimbra conta-se seguramente entre as principais vítimas da persistente "austeridade orçamental" quanto a investimento público, longe de recuperar os níveis de antes da crise, apesar do nutrido aumento de receitas públicas geradas pela retoma económica.

2. A preferência dos investimentos públicos por Lisboa não tem a ver somente com o seu maior peso político, com o facto de quase todos os decisores políticos lá viverem e com a visibilidade que os problemas da capital têm nos média nacionais, para quem qualquer problema local de Lisboa assume foros de questão nacional, enquanto qualquer caso da "província" constitui sempre uma questão local, indigna de ser mencionada, por mais interesse nacional que assuma (imagine-se só que a escola José Falcão de situava em Lisboa...).
Penso que para essa desconsideração do resto do Pais em matéria de investimento público conta também a inércia e a falta de capacidade e de vontade reivindicativa das suas instituições do poder local, bem como dos deputados e dirigentes locais dos partidos do poder, que raramente fazem ouvir os interesses das suas regiões nas sedes do poder, porventura inibidos pela fácil acusação de darem expressão a "interesses localistas".
O Porto e as regiões autónomas há muito mostraram, porém, que quem não reivindica de forma audível tende a ser esquecido nas prioridades orçamentais. Lisbon first!...
[revisto]

quinta-feira, 26 de junho de 2008

A deriva demagógica do PSD (1)

Os comentadores em geral afiançam a herança "cavaquista" da nova líder do PSD e da sua equipa. Mas deve ter havido uma grande metamorfose política.
Pois haverá algo de mais anticavaquista do que o ataque indiscriminado aos investimentos em infra-estruturas, condição essencial da modernização e do desenvolvimento do País, bem como a proposta de desviar recursos do investimento público para transferências sociais (que, aliás, nunca foram tão elevadas como hoje)? Quem pode ignorar que o "cavaquismo" foi essencialmente uma aposta "neofontista" no investimento público como instrumento da modernização material e do desenvolvimento económico e social?
Pelos vistos, o novo PSD "póscavaquista" prefere a via populista e retintamente reaccionária de diabolizar o investimento público em infra-estruturas.

sexta-feira, 5 de abril de 2019

Ai, a dívida (8): Baixar impostos?

Concordo com o Primeiro-Ministro em não defender uma redução de impostos enquanto Portugal mantiver um nível demasiado elevado de dívida pública e se quiser assegurar simultaneamente os necessários excedentes orçamentais e um nível razoável de investimento público e de capacidade de resposta dos serviços públicos.
Continuo a entender, porém, que a redução da dívida pública será tanto mais rápida, ceteris paribus, quanto mais moderado for o aumento de despesa corrente do Estado, sobretudo em remunerações, pensões e prestações sociais, que tem crescido demasidamente nos últimos anos, em comparação com o investimento público, com a agravante de constituir despesa permanente, insuscetível de redução em caso de inversão do ciclo económico.
A despesa permanente criada em período de "vacas gordas" continua a ter de ser paga quando as ditas emagrecem.

Adenda
Indo além do seu programa, o Governo acaba de acrescentar 240 milhões de euros / ano em despesas com o pessoal, a título de recuperação de tempo de serviço congelado durante o período de assistência financeira, que os futuros orçamento terão de suportar. Preferiria que essa verba fosse destinada a reforçar o investimento público, que tem ficado sempre aquém do orçamentado...

quinta-feira, 10 de julho de 2008

"A grande mistificação"

«A afirmação de que "não há dinheiro para nada" é duplamente errada: primeiro, porque com o saneamento das finanças públicas - um triunfo inegável deste Governo -, há finalmente margem de manobra orçamental para retomar o investimento público; segundo, porque para haver investimento em infra-estruturas públicas não é necessário ter dinheiro público disponível nem sequer recorrer ao endividamento público, bastando optar pelo investimento privado no quadro de "parcerias público-privadas". Ora, a quase totalidade dos investimentos previstos - novo aeroporto, nova travessia do Tejo, rede ferroviária, estradas, barragens, portos, e mesmo hospitais, escolas e prisões - será feita com dinheiro privado.»
Do meu artigo desta semana no Público, agora transposto para a Aba da Causa.

sexta-feira, 2 de outubro de 2020

Ai o défice (11): Imprudência orçamental

1. Tudo indica que o orçamento para 2021 vai mais uma vez ser aprovado à esquerda e, portanto, mais uma vez vai implicar um aumento substancial da despesa pública em salários do setor público e em pensões (além das novas medidas de proteção social impostas pela crise pandémica). 

A imprensa fala em mais de 300 milhões de euros, mas é de recear que a "fatura" venha subir face à chantagem esquerdista, à medida que a data de aprovação do orçamento se aproxima.

2. Poderá dizer-se que o aumento de tal despesa pública já foi o paradigma orçamental da anterior legislatura, sem danos de maior, salvo o sacrifício do investimento público e maior lentidão na consolidação orçamental. 

Mas as diferenças são gritantes. Nos anteriores quatro anos a economia crescia, o desemprego diminuía, os impostos e as contribuições sociais "bombavam" receita pública, a despesa social reduzia-se (menos subsídios de desemprego e outras prestações sociais), o défice orçamental caía até ao equilíbrio orçamental, o peso da dívida pública aliviava. Agora, porém, tudo é ao contrário: a economia está em profunda recessão, apesar de ligada ao oxigénio das ajudas públicas, o desemprego aumenta, muitas empresas entram em falência, a receita fiscal e contributiva cai, o Estado aumenta a contratação de mais pessoal (sobretudo no SNS), o défice orçamental dispara, a dúvida pública sobe para o "record" absoluto. 

Ou seja, em vez de um ciclo de bem-aventurança orçamental entrámos num período de emergência orçamental.

3. Aliás, avolumar a despesa pública permanente com aumentos de pensões e salários no setor público não é só orçamentalmente imprudente, agravando o défice público e a dívida pública. É também injusto socialmente, pois os trabalhadores do setor privado e a generalidade dos portugueses vão ver os seus rendimentos estagnados ou reduzidos (sem falar nos novos desempregados). Neste contexto, beneficiar o setor público é um contrassenso socialmente descabido.

Nada, portanto, justifica tal aumento da despesa pública permanente, e tudo a desaconselha.

Adenda

Um leitor argumenta que com a "pipa de massa" grátis que aí vem da UE os problemas orçamentais desaparecem. Não concordo. O Fundo de Recuperação da União destina-se a financiar investimentos em projetos aprovados pela União e durará apenas alguns anos; depois disso a despesa permanente do Estado mantém-se e tem de ser financiada por impostos ou pelo endividamento público, o qual no final deste ciclo recessivo vai ficar pelos 140%! 

Seria lamentável que, entretanto, o Estado aproveitasse para reduzir o investimento financiado por receitas nacionais, a fim de gastar mais em despesa corrente!


sexta-feira, 9 de janeiro de 2009

Descrédito

O PSD volta a atacar o investimento público como forma de responder à crise, continuando a advogar a baixa de impostos (sem porém discriminar quais), no que aliás se limita a secundar o CDS.
Ora, se é irresponsável rejeitar o investimento público, única forma de compensar a baixa do investimento privado e o consequente aumento do desemprego, mais irresponsável ainda é, nas actuais circunstâncias, advogar uma baixa geral de impostos (para além das baixas selectivas que já foram aprovadas), pois é evidente que a inerente perda de receita fiscal prejudicaria a capacidade do Estado para ajudar a economia e as empresas em dificuldades e para apoiar as principais vítimas da recessão, ou seja, os que perdem o emprego.
Se não se quiser fazer disparar o défice orçamental e o endividamento público (e os respectivos encargos futuros), não se pode ter ao mesmo tempo aumento da despesa pública e baixa de impostos. Além disso, nas actuais circunstâncias de recessão e de falta de confiança na economia, uma baixa de impostos não teria nenhum efeito estimulador nem sobre a procura nem sobre o investimento.
Aparentemente, o PSD já desistiu de se preocupar em apresentar-se como alternativa credível de governo, limitando-se a disputar com o CDS o eleitorado mais conservador...

quinta-feira, 26 de junho de 2008

A deriva demagógica do PSD (3)

O PSD propõe desviar recursos financeiros públicos do investimento para transferências destinadas às organizações sociais, a fim de acudir à situação de "emergência social" cujos contornos dramatiza.
Ora, nunca houve um volume de transferências sociais tão elevado como agora, incluindo medidas destinadas às camadas mais vulneráveis (que aliás não se devem ao PSD), como o rendimento social de inserção (RSI), o complemento de rendimento para pensionistas pobres e o aumento do abono de família para as famílias pobres. Mercê do êxito da disciplina das finanças públicas e à folga financeira alcançada, não é necessário sacrificar o investimento para acudir às novas carências agravadas pela crise económica.
Pelo contrário, é o investimento público (e o investimento privado que ele arrasta) que pode atenuar e abreviar o impacto da crise económica e consequentemente atalhar às suas piores consequências sociais. Não é preciso ter lido Keynes para saber que em situações de crise económica, o melhor remédio para a crise social é atacar a crise económica, através do investimento e do estímulo da actividade económica, criando emprego e rendimentos pessoais, bem como gerando receitas fiscais para melhor responder às carências sociais.
O PSD propõe o contrário, ou seja, prescindir de atacar a crise económica através do investimento público, gastando o capital e perdendo também capacidade e recursos para atacar a crise social. Pior não poderia ser!

quarta-feira, 13 de maio de 2020

E depois da pandemia? (6): Fosso mais fundo

1. Este gráfico, retirado do Financial Times de hoje, mostra a curva do investimento nas principais economias europeias. E o que anuncia não é agradável.
Primeiro, prevê-se uma acentuada queda do investimento em todas elas no 2º trimestre, que se deve provavelmente à redução de todas a suas componentes: investimento privado, investimento público e investimento direto estrangeiro. A confirmar-se este corte abrupto do investimento, a acompanhar igual queda do consumo (salvo do consumo público), então é de temer que a recessão económica europeia venha ser mais acentuada do que o previsto até agora.

2. O gráfico revela outro dado preocupante, que é a queda muito superior do investimento nos países do sul, ou seja, Itália, Espanha, e também França, em comparação com a Alemanha.
Sabendo-se que os países do sul já padeciam de insuficiente investimento antes da pandemia - nunca tendo recuperado os níveis anteriores à crise de 2009-2014 - e que, dada a sua situação orçamental mais frágil, têm menos condições do que a Alemanha para subvencionar maciçamente as suas economias, então torna-se óbvio que esta recessão vai agravar mais uma vez o fosso económico entre a Alemanha e os países do Sul. Como é evidente, Portugal compartilha das dificuldades e das ameaças dos demais países do sul.

3. É por isso que a anunciado Fundo de Recuperação da União, destinado a financiar a retoma, é tão decisivo para a sorte económica da Europa, em geral, e dos países do sul, em especial, no pós-crise pandémica.
A demora no desenho da sua arquitetura financeira e na definição do acesso aos seus fundos não ajuda a contrariar o clima depressivo instalado.

terça-feira, 7 de novembro de 2023

Liberalices (2): Um bom investimento público na Tap e na Efacec

1. Na dogmática ultraliberal, entre nós representada pela IL - e com a qual o PSD agora também "namora" por vezes, por imitação -, o Estado deve deixar as empresas por conta e risco do mercado, não devendo fazer nada para impedir a queda das que não provam ser capazes de vingar por si mesmas. 

Mas numa "economia social de mercado", como resulta da "constituição económica" da CRP e da UE, pode haver situações que justifiquem plenamente a salvação de empresas privadas conjunturalmente em risco de falência, mas estruturalmente viáveis, por parte do Estado, quer quando se trate de empresas tão relevantes, que o seu desaparecimento poderia por em risco o próprio mercado - caso dos "bancos sistémicos" -, quer quando elas tenham um grande peso no emprego, na economia e nas exportações do país. Foi o que sucedeu no caso da Tap e da Efacec, mediante a nacionalização e a injeção de dinheiro público. 

Sem essas operações de salvação financeira pública - aliás ambas validadas pela UE -, muito provavelmente essas empresas não teriam sobrevivido.

2. Também carece de fundamento a crítica de que o Estado não vai recuperar na reprivatização de tais empresas todo o dinheiro que nelas injetou - o que é verdade -, pela simples razão de que a compensação da intervenção do Estado não consiste somente no dinheiro que vai receber da venda das empresas, mas também das importâncias que não teve de gastar, por ter evitado a sua falência (por exemplo, indemnizações e seguros de desemprego), bem como das importâncias que continuou, e vai continuar, a receber, pelo mesmo motivo (contribuições para a segurança social, IRS das remunerações, Iva das vendas de bens e serviços das empresas, etc.), isto sem contar com as receitas tributárias indiretas provenientes das empresas fornecedoras de bens e serviços daquelas.

Tudo somado, é bem possível que todas essas importâncias ultrapassem em muito a diferença entre o custo da nacionalização e do saneamento financeiro das empresas, por um lado, e a receita da sua reprivatização, por outro lado. A ser assim, ao contrário do que correntemente se afirma, a intervenção do Estado, além de economicamente necessária, foi também um bom investimento público.

sábado, 13 de dezembro de 2008

Resposta à crise

Após o sucesso da cimeira europeia de ontem, o Governo anunciou para hoje mesmo a aprovação de um plano integrado de resposta à crise económica. Depois de assegurar a estabilidade do sistema financeiro, importa agora atacar os factores da crise económica (ou seja, a queda no investimento) e as suas principais consequências (ou seja, o desemprego).
Na falta de investimento privado, a resposta é a dinamização e antecipação de projectos públicos e as parcerias público-privadas, sobretudo em investimentos de mão-de-obra intensiva e de efeito multiplicador (nomeadamente as obras públicas). A resposta à inevitável subida do desemprego é o reforço dos programas de formação profissional e aumento dos apoios públicos às pessoas socialmente mais vulneráveis.
Além do decréscimo das receitas públicas, pela diminuição da cobrança fiscal, a crise traz consigo o aumento da despesa pública, pelo aumento do investimento público e das despesas sociais. Mas a consequente subida do défice orçamental não pode secundarizar a importância da disciplina orçamental. O País não pode permitir-se um regresso ao ciclo infernal dos défices excessivos e do aumento incontrolado do endividamento público!

sábado, 17 de janeiro de 2004

Alhos & bugalhos

No "Natureza do Mal" pergunta-se se a minha argumentação contra novas universidades públicas (nomeadamente em Viseu, mas não só) na presente situação não vale também contra a criação de novos cursos de medicina em universidades privadas (nomeadamente em Coimbra, mas não só).
A minha resposta é negativa. Primeiro, criar um curso novo em universidades existentes não é o mesmo que criar de raiz uma nova universidade (que aliás não pode ter só um curso...), desde logo quanto à diferença de meios envolvidos. Segundo, e sobretudo, não existe nenhum paralelo a este respeito entre as universidades públicas (que, como todo o investimento público, são financiadas essencialmente pelo erário público e carecem de uma justificação de interesse público) e as universidades privadas, que decorrem da liberdade de criação de estabelecimentos de ensino superior privado e que não envolvem uma obrigação de financiamento público (sendo tendencialmente pagas pelos seus utentes), cabendo ao Estado essencialmente uma função de verificação dos requisitos legais para a sua criação e de controlo da respectiva qualidade, ainda que no caso dos cursos de medicina (únicos que continuam administrativamente reservados ao sector público) essas tarefas tenham de ser seguramente bem mais exigentes do que na generalidade dos outros cursos.
Mas não devemos misturar alhos com bugalhos.

Vital Moreira

terça-feira, 20 de dezembro de 2016

Filhos e enteados

1. Através do Ministro das Infraestruturas ficamos a saber que o orçamento para 2017 reserva apenas 50 milhões para investimento na renovaçao do material circulante da CP - deixando portanto de lado a aquisição de novos comboios, como proposto pela companhia ferroviária pública - e 100 milhões para o investimento na rede ferroviária, o que dá para financiar apenas uma pequena parte dos compromissos públicos anunciados nessa área. Nada ficamos a saber sobre o investimento previsto para os anos seguintes.
Entretanto, através do Ministro do Ambiente - que surpreendentemente tem a seu cargo os transportes públicos de Lisboa e do Porto -, sabemos que o Governo vai investir proximamente mais de 200 milhões no metropolitano de Lisboa e ainda mais no metropolitano do Porto.

2. Para além de ser injustificável que o país pague os transportes locais de Lisboa e do Porto através do orçamento do Estado - pois deviam ser uma responsabilidade municipal ou intermunicipal, como já aqui referi várias vezes -, a enorme diferença de investimento público nos dois transportes locais e na ferrovia nacional mostra bem a ordem de prioridades territoriais.
Por mais que a proximidade das eleições locais justifique a prodigalidade no investimento do Estado nas duas principais cidades do país, a secundarização do modo ferroviário, já tão prejudicado ao longo dos anos pelo investimento prioritário na rede rodoviária, pode hipotecar gravemente o futuro do setor, que diz respeito ao País em geral.

Adenda
Todos os partidos são apóstolos da descentralização territorial e do princípio da subsidiariedade. Mas quando vemos que cabe ao Governo fixar os preços dos transportes urbanos - que obviamente deveriam ser uma questão municipal - vemos que vai uma enorme distância entre as proclamações e a prática política.