domingo, 28 de dezembro de 2003

Coimbra desencantada

1. Coimbra capital
Encerrou oficialmente o programa de "Coimbra - Capital Nacional da Cultura", uma iniciativa do precedente Governo Socialista que o actual Governo PSD-PP não enjeitou. Foi um importante acontecimento. Coimbra não era capital de nada (para além de "capital do amor em Portugal", como diz a canção) desde que, no início da nacionalidade (D. Afonso II ?), a corte mudou para Lisboa, deixando para trás o palácio real da alcáçova coimbrã, que no entanto só seria doado à Universidade em 1537.
Sem ser deslumbrante, o programa não deslustrou. Mostrou capacidade de organização e gestão a nível local e regional, trouxe à luz do dia um património artístico mal conhecido, atraiu novos públicos para iniciativas culturais, revelou ou confirmou agentes culturais locais, deixou numerosas publicações valiosas (conferências, actas de colóquios, catálogos de exposições, etc.), proporcionou a abertura de novos espaços, embora não construídos em vista do programa da "Capital da Cultura".
Oxalá que alguns dos eventos possam ser institucionalizados doravante como elementos permanentes da programação cultural da cidade, como, por exemplo, a feira do património ou a "Coimbra vibra", porventura o êxito mais popular do programa.

2. Coimbra e Lisboa
Como cidade universitária sem capacidade de absorção dos quadros que ela forma, Coimbra exporta grande parte dos graduados que saem da sua universidade. A maior parte deles ruma naturalmente para a capital. Como é próprio das universidades tradicionais, muitos dos antigos estudantes de Coimbra mantêm uma forte ligação afectiva à cidade, mesmo quando não é a sua terra natal. Recentemente, no blogue Mar Salgado, com forte peso de "coimbrinhas" emigrados, dois deles vieram exprimir os seus sentimentos em relação a Lisboa. Enquanto Vasco Lobo Xavier, agora no Porto, exterioriza a sua animosidade contra Lisboa, Nuno Mota Pinto, por sua vez, manifesta as suas saudades da capital do reino, revendo-se num poema elegíaco de António Botto. Nisto não há défice de pluralismo ...

3. Os políticos e os cientistas
Na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra foi justamente festejada a atribuição do prémio Pessoa ao professor J. J. Gomes Canotilho, personalidade ilustre e orgulho da Casa. Não faltou quem extrapolasse o significado do prémio. Depois da jactância do Primeiro-Ministro, gabando-se do monopólio de licenciados pela Faculdade de Direito de Lisboa nos mais altos cargos do poder, houve quem observasse, parafraseando Max Weber, que enquanto Lisboa forma políticos Coimbra forma cientistas...

Vital Moreira