A globalização neo-liberal impôs o pensamento único. Agora, a obsessão do défice zero converteu-se em pensamento zero. Estávamos proibidos de discutir o pensamento único precisamente porque era único e não admitia alternativas. Agora enfrentamos uma proibição ainda mais implacável e radical porque não é possível discutir racionalmente uma obsessão que se traduz na própria ausência de pensamento.
O pensamento zero é a variante portuguesa do pensamento único – e o horizonte palpável da acção governativa da direita. Aqueles que desistiram de pensar ou que nunca tiveram sequer a veleidade de fazê-lo encontraram um ídolo à sua medida: Manuela Ferreira Leite. Não espanta, por isso, que "opinion makers" como José António Saraiva ou, de forma um pouco mais retraída, António Barreto, se declarem rendidos ao obsessivo neo-salazarismo contabilístico da actual ministra das Finanças.
Não vale a pena discutir se a obsessão do défice zero é, pelo menos, genuína, ou um mero dogma religioso sustentado em aldrabices grosseiras de "contabilidade criativa".
Não vale a pena discutir porque é que o Governo português se mostra tão compreensivo com a decisão franco-alemã de romper o pacto de estabilidade, ao mesmo tempo que manifesta um prazer sado-masoquista em ver o país entregue às agruras da recessão e do desemprego.
Não vale a pena discutir se o indispensável saneamento das finanças públicas se deve fazer através de uma política de reformas e de equidade na distribuição dos sacrifícios ou de uma obsessão que poupa os mais privilegiados e mais faltosos e castiga os que menos possibilidades têm de defender-se.
Não vale a pena discutir por que artes Alberto João Jardim escapa uma vez mais aos rigores draconianos do orçamento, apesar de ser o símbolo maior da irresponsabilidade despesista nacional.
Não vale a pena discutir seja o que for, porque o pensamento zero a que chegámos é mesmo isso: zero. Noves fora, nada. O deserto da política num país onde o acto de pensar é suspeito e sujeito a tributação suplementar. A não ser, é claro, que se pense como o director do "Expresso".
Vicente Jorge Silva