Nestes dias voltou à baila a velha ideia da criação de uma ordem dos jornalistas, que teve o seu auge há mais de 10 anos, até ser inequivocamente "chumbada" num referendo da classe.
O que veio reavivar subitamente a questão da ordem dos jornalistas foi seguramente o tratamento dado por alguns órgãos de comunicação social ao processo Casa Pia, espezinhando todos os limites deontológicos da profissão, incluindo a violação de alguns deveres básicos decorrentes directamente da lei, como a identificação de vítimas de abuso sexual de menores, a invasão infrene da privacidade de pessoas alegadamente implicadas, para não falar da sistemática violação do segredo de justiça - mesmo quando nenhum interesse público poderia justificá-lo - e do direito das pessoas ao bom nome e reputação. Jornais como o 24 Horas e televisões como a TVI (par citar somente os casos mais flagrantes) tornaram-se sérios candidatos ao prémio do "jornalismo de sarjeta", de que falava há anos o presidente do órgão deontológico do sindicato dos jornalistas.
Também penso que hoje se torna muito mais defensável a criação de um organismo de autodisciplina oficial dos jornalistas, composto essencialmente por jornalistas, com poderes oficiais sobre todos os profissionais, com capacidade para aprovar e fazer respeitar o código deontológico e com poderes sancionatórios fortes, incluindo a suspensão ou cassação da carteira profissional. Mas, como se mostra noutros países, não tem de ser uma "ordem", que mistura essas funções de autodisciplina com a função "corporativa" de representação e defesa dos interesses profissionais, a qual muitas vezes só prejudica a primeira função (ver o caso paradigmático da Ordem dos Médicos entre nós). Na Europa uma ordem de jornalistas, se não estou em erro, só existe na Itália (ver o respectivo website).
Seja como for, o que não deve continuar é a situação existente de gravíssimas infracções dos deveres deontológicos, que permanecem impunes, abusando da liberdade de imprensa e dos direitos de terceiros. Como diz Estrela Serrano, a prestigiada provedora do leitor no Diário de Notícias, numa entrevista dado ao semanário Independente desta semana, «é confrangedor verificar que as regras básicas que deram legitimidade ao jornalismo estão muitas vezes a ser deitadas para o lixo, e isso é dramático".
Vital Moreira