O meu querido amigo Eduardo Prado Coelho escreve hoje uma inspirada crónica no Público sobre a sua experiência metafísica numa “descida helicoidal” no parque de estacionamento do Corte Inglès lisboeta. Como não tenho automóvel nem possuo sequer carta de condução não pude aceder a tal aventura aterradora. Em contrapartida, vivi ali outra experiência digna do “Playtime” de Tati, quando as máquinas registadoras electrónicas se avariaram em todo o centro comercial e o pagamento com cartão de crédito se tornou inviável.
Perguntei se não havia aquelas velhas e simpáticas maquinetas manuais que ainda existem em alguns restaurantes. Não, não havia. Era uma coisa ultrapassada, impensável até, numa catedral de consumo moderníssima como aquela. Limitaram-se a propor-me que escrevesse a protestar e a apresentar sugestões. A hipótese era apenas – uma vez que eu não dispunha de euros suficientes na carteira – o pagamento por cheque. E por improvável que parecesse, eu ainda tinha um caderninho de cheques na minha pasta.
Preenchi um, apresentei o meu bilhete de identidade, declinei o meu número de telefone e a morada, mas pelos vistos a minha aparência não oferecia garantias suficientes de credibilidade e liquidez bancária. Passou-se um tempo razoável de inquirição e pedidos de esclarecimento até que, já irritado, vi-me coagido a recorrer a uma arma que rarissimamente utilizo: o meu cartão de deputado. Consegui então efectuar o pagamento, entre sorrisos amarelos de vendedor e consumidor, mas jurando a mim mesmo nunca mais voltar a pôr ali os pés. Será este o preço da modernidade, quando as funções electrónicas entram em colapso e o consumidor fica desamparado face à desconfiança humana do vendedor (e que foi certamente instruído para isso)?
Vicente Jorge Silva