quinta-feira, 12 de fevereiro de 2004

Por uma boa causa

Fico sempre intrigado quando uma mulher diz que se vai despir por uma boa causa. Acho curioso, por exemplo, que essa pergunta seja habitual em questionários de vedetas. Reparem: a resposta nunca é negativa. "Considera a hipótese de se deixar fotografar nua?", "Sim, se for por uma boa causa". O que deixa implícito que a interrogada já considerou o assunto, já ponderou os prós e os contras e concluiu, sim, sim, sem dúvida, estou disposta a despir-me toda à frente de pessoas que não conheço e aparecer em público aos olhos de muitos mais desconhecidos e alguns conhecidos, como o avô, a mãe e o vizinho do 2º-esq que costuma mandar-me uns olhares estranhos.

Estranho é que esta pergunta não seja feita a homens. Mesmo em revistas especializadas em bikinis, literatura light e densamente documentadas sobre todas as vantagens de um evax ultra fina e segura, a questão não é colocada a homens, o que nos faz pensar. Não pode um homem despir-se por uma boa causa? Porque não? Se me apetecer despir todo para que o Benfica ganhe o campeonato, não haverá uma revistinha disposta a publicar o exclusivo? E ser estritamente para mulheres é sintoma misógino ou, ao contrário, um último reduto severamente protegido por um movimento secreto de emancipação feminina? O mistério continua.

O facto de ser uma área onde "menino não entra" torna-se ainda mais perturbante quando pensamos no leque de causas pelas quais as mulheres parecem dispostas a despir-se: do cancro da mama à venda de peles de animais, passando por campanhas que incentivam a beber leite ou manifestações contra a guerra, é notável observar que há sempre uma ou um milhar delas dispostas a despir-se pela boa causa. Infelizmente, a vida tem ironias tramadas. Ou muito me engano - e uma vez que as guerras são normalmente feitas por homens - ou, se continuar a haver milhares de mulheres nuas contra a guerra, é provável que esta continue. Com um sorrisinho nos lábios.

Infelizmente, e apesar da diversidade, ainda há boas causas que não mereceram o privilégio de ter quem se dispa por elas. Interrogo-me ansioso: para quando o dia em que Ferreira Leite fará topless em nome do défice, Odete Santos marcará posição pelo Teatro de Revista, para quando um Morais Sarmento nu pela subida de audiências do canal 2, Durão despido pelo TGV ou Ferro em pelota pela inocência de Pedroso? Até porque nem todos os políticos têm votado esta matéria ao ostracismo. Aliás, está a chegar a altura do ano em que Alberto João Jardim apresenta ao país as suas novas ceroulas. Embora mantenha segredo sobre as causas por que o faz.

Contrariando o eventual nojo que o leitor possa estar a sentir pelo parágrafo anterior, aqui vai uma singela imagem para desopilar: Marisa Cruz nua para levantar a moral portuguesa. Notem bem que nem sempre as palavras "nua" e moral" surgem tão harmoniosamente na mesma frase.

O que me leva à definição dos dicionários Porto Editora para a palavra "causa". Das duas uma, ou é tudo o que determina a existência de uma coisa ou acontecimento; ou é tudo aquilo que produz um efeito. Ora bem, a mim sucede que a visão de mulheres sem roupa provoca, de facto, um efeito evidente - mas atormenta-me pensar que tal ocorrência possa não corresponder exactamente ao fim que as ditas cujas tinham em mente quando se despiram. Deixará a causa de ser boa por causa disso? Deixo esta pergunta para reflexão.

Luís Filipe Borges