Uma das questões decisivas das democracias contemporâneas é como equilibrar o princípio da alternância entre diferentes opções políticas com a necessidade de estabelecer consensos em áreas estruturantes que ultrapassam o horizonte das legislaturas (finanças públicas, sistema de ensino, segurança social, por exemplo) e impõem, por isso, compromissos que assegurem continuidade a reformas consideradas essenciais e inadiáveis num mundo cada vez mais complexo e globalizado. Ou seja: como estabelecer "pactos de regime" que evitem rupturas dramáticas em domínios nucleares e transversais, garantindo ao mesmo tempo a existência de alternativas políticas?
Não há respostas fáceis para essa questão, até pela diversidade de dados e incógnitas que estão em jogo. Se as opções políticas se extremam excessivamente e ganham um cariz marcadamente ideológico (veja-se o caso actual dos Estados Unidos), a necessidade de rupturas parece inevitável e até necessária. Quando se puxa demasiado para um lado, é lógico que o princípio do equilíbrio e do consenso seja prejudicado e a ruptura se concretize. Por outro lado, a necessidade dos compromissos e consensos não acabará por favorecer um centrismo dissolvente da pluralidade das opções políticas? Estaríamos então condenados à fatalidade de um "centrão" eterno?
Para responder a tudo isto, seria necessário estabelecer, primeiro, e com a máxima nitidez possível, quais são os domínios cuja transversalidade e permanência no tempo impõem pactos e compromissos entre as forças políticas que asseguram a alternância. Depois, seria preciso definir as bases mínimas desses compromissos, bases essas que não prejudicassem a diversidade das opções e o pluralismo político. "Last but not the least", seria indispensável que entre os interlocutores existisse a disponibilidade, a vontade política e, sobretudo, a boa-fé negocial e o sentido cívico para encontrar plataformas de entendimento.
Nada disso se verifica neste momento em Portugal. O sentido das opções estratégicas transversais às legislaturas é dominado pela crispação ideológica (claramente favorecida pela actual maioria de direita) e a má-fé ou o malabarismo táctico de uma indigência aflitiva continuam a sobrepor-se à necessidade de definir compromissos. A forma como o Governo se apresentou esta semana no Parlamento para "negociar" um pacto sobre as finanças públicas desafia as regras mais elementares da seriedade política.
Como é possível negociar com base num rascunho feito sobre o joelho e sobre a hora e obrigar a oposição a aceitar isso? E como é possível chegar a resultados sérios e credíveis quando a própria maioria governamental já é incapaz de fundamentar as suas políticas e os seus objectivos? Como é possível estabelecer qualquer entendimento sobre o vazio?
Vicente Jorge Silva