sexta-feira, 26 de março de 2004

"Cherchez la femme"

Banqueiros como Artur Santos Silva, líderes empresariais como Francisco Vanzeller, além dos “yuppies” do Beato que promoveram o “Compromisso Portugal”, têm defendido o levantamento do sigilo bancário em nome da transparência da vida económica e do combate à evasão fiscal. São vozes supostamente insuspeitas de radicalismos esquerdistas, sejam quais forem os motivos – genuínos ou apenas tácticos – que os levaram a tomar essa atitude.

Mas os patrões não estão sintonizados num combate clarificador e saudável que permitiria consagrar a velha máxima de que quem não deve não teme. Embora com sintomático atraso, o vice-presidente da AIP, Jaime Lacerda, veio quebrar o consenso. Numa entrevista dada ontem ao “Diário Económico”, aquele responsável empresarial rejeitou a flexibilização no acesso às contas bancárias, argumentando que o peso da “informalidade” e da evasão fiscal na economia portuguesa não é tão grave como aquele que lhe é quase unanimemente atribuído (incluindo no relatório encomendado pelo Governo à consultora McKinsey).

Afinal, segundo Lacerda, um outro relatório, subscrito por Pina Moura e Manuel Baganha, apontaria para outros males, que não exactamente a evasão fiscal, na origem da falta de competitividade da nossa economia. E, em abono dessa tese, o vice-presidente da AIP cita os obstáculos que se encontram nas áreas da saúde e da justiça como factores mais determinantes da situação.

Ora, imaginemos que ele tem razão contra todos os outros, embora a justiça e a saúde tenham aquelas costas largas que dão imenso jeito para justificar o imobilismo e a crise competitiva do país. Que terão os empresários sérios e verdadeiramente empreendedores – aqueles que não vivem à sombra da “informalidade” e da fuga ao fisco – a perder com a flexibilização no acesso às contas bancárias, praticada aliás na maioria dos países europeus?

Se tudo é como Lacerda diz, porque não aceita ele que isso seja publicamente comprovado, já que existem tantas suspeitas no sentido oposto? Porque defende ele um regime de opacidade bancária, quando tantas vozes se levantam no meio empresarial a favor de uma maior transparência e rigor? Quando se insiste em querer esconder o que não deveria ser escondido, não estaremos a alimentar as suspeitas? E a fazer aquele convite clássico das novelas policiais e passionais: “Cherchez la femme”?

Vicente Jorge Silva