quinta-feira, 4 de março de 2004

O exemplo alemão

O Tribunal Constitucional alemão, segundo informa o Frankfurter Allgemeine Zeitung, acaba de considerar inconstitucional grande parte da lei que autorizava, para efeitos de investigação penal, a vigilância electrónica secreta de habitações, na base de uma cláusula constitucional introduzida em 1998 para restringir a inviolabilidade do domicílio.
O Bundesverfassungsgericht entendeu que, embora a devassa electrónica não seja inconstitucional em termos absolutos, por estar autorizada na Lei Fundamental (mesmo assim dois juízes votaram contra, por entenderem que isso infringe os limites intocáveis da Constitução), no entanto a violação da habitação mediante escutas electrónicas, se não for estritamente limitada, pode lesar a dignidade humana (Menschenwuerde), que está na base dos direitos fundamentais de carácter pessoal. Por isso, o Tribunal de Karlsruhe considerou que as escutas electrónicas de conversas dentro de casa só são lícitas desde que estejam em causa crimes graves, puníveis com mais de cinco anos de prisão, e sempre excluindo conversas com parentes próximos ou pessoas íntimas sem nenhuma relação com o crime, bem como conversas com médicos, sacerdotes e advogados, desde que não sejam também suspeitos.
A referida lei terá portanto de ser reformulada no sentido determinado pelo Tribunal Constitucional. A ofensiva contra o direito à privacidade pessoal, a pretexto da punição penal, encontrou assim um travão na Alemanha. Embora não se trate da mesma coisa, talvez fosse de retirar alguma lição para a discussão do regime das escutas telefónicas entre nós.

Vital Moreira (com um agradecimento ao AC por me ter chamado a atenção para o caso)