O Luís Osório escrevia aqui há dias sobre a morte de Spalding Gray, um humorista trágico que fundou o Wooster Group e suicidou-se dizendo não conseguir lidar com a certeza de que o público não vislumbra a dor que está detrás do humor. Não vislumbra, de facto, e de todo.
Estava em Tomar, num dos espectáculos da digressão de Stand-Up Tragedy, com o nosso amigo comum Tiago Rodrigues, quando discutimos essa notícia do Público. Não podia vir mais a propósito do tema da nossa peça, em que um humorista perde o fio à meada ao fim de um quarto de hora, deixa de ter graça e acaba a confessar-se perante uma audiência implacável - que continua a rir.
Vem ainda mais a propósito quando eu e o Tiago escrevemos humor profissionalmente e há pouco começámos a fazer stand-up comedy. E diz o Luís que muitas pessoas de talento se têm deixado embrenhar numa rotina profissional em que o seu raciocínio acaba a formatar-se exclusivamente para a construção de piadas. Diz o Luís, e tem toda a razão.
Conheço muita gente assim. Incapazes de uma linha dita em voz alta que não termine em punch e gargalhada. A tragédia destes humoristas, mesmo o que estão convencidos de que a sua vocação é essa, é de que nunca poderão ser levados a sério noutra área qualquer. São os bobos da corte de um país a atravessar a necessidade de pão e circo.
E a natureza humana é controversa. Todos sentimo-nos incapazes ou frustrados de/por alguma coisa, mesmo quando somos muito bem sucedidos noutra qualquer.
Talvez por isso o meu currículo tenha itens tão díspares como uma licenciatura em Direito, um livro de poesia, uma ópera como actor ou (agora) a stand-up comedy. Talvez também porque sempre tive a estranha sensação de que morrerei novo e talvez ainda porque, às vezes, aquilo para o que fomos feitos não é exactamente construído a partir da mesma matéria que faz os nossos sonhos. Por isso diz-me o Luís, uma das raras pessoas cuja opinião me interessa, que é fundamental fazer várias coisas diferentes. Criar caminhos noutras áreas. "Conhece-te a ti mesmo", poderia ele dizer, em resumo.
Mas voltarei a este tema, quando (se) tiver um percurso na comédia que o justifique e quando me conhecer melhor. Entretanto, fico com o consolo de já fazer humor há muito tempo, mas à mesa, com os verdadeiros amigos como o Luís - naquilo que se poderia chamar de sit-down comedy. Bem mais sincera e bem menos trágica, e com mais punchlines nos desabafos e nos receios do que noutra coisa qualquer.