quinta-feira, 1 de abril de 2004

Deixamos imolar Ramiro Lopes da Silva?

Ele ficou a dirigir a ONU em Bagdad quando Sérgio Vieira Mello e mais 22 funcionários foram assassinados num miserável atentado em 19 de Agosto de 2003. Na altura os nossos media embandeiraram em arco, destacando a «portuguesisse» do Ramiro – muitos escamoteando, parolamente, a «moçambicanisse».
Dia 29 de Março um despacho da «UN News Service» relatou que Kofi Annan «tomou fortes medidas disciplinares depois de um inquérito revelar falhas de segurança em Bagdad»: o Coordenador de Segurança foi convidado a demitir-se da ONU e Ramiro Lopes da Silva, o seu delegado no Iraque, foi acusado de conduta errada e instado a imediatamente demitir-se de Assistente do SG da ONU, regressando ao WFP (PAM).
O despacho também informa que a Secretária-Geral Adjunta, a canadiana Louise Fréchette, que presidia ao «Steering Group on Iraq» (o órgão responsável por aconselhar Kofi relativamente ao Iraque, composto por altos funcionários e pelos chefes das agências que ali operavam, que recomendou que a ONU voltasse a Bagdad depois do derrube de Saddam) pediu a demissão logo que foram conhecidas as conclusões do inquérito. Mas Kofi Annan recusou-a «tendo presente a natureza colectiva das falhas atribuíveis ao SGI».
Ramiro Lopes da Silva subiu na ONU por mérito pessoal, sem apoios do Estado português, que trinta anos depois do 25 de Abril ainda não aprendeu certas coisas.... Não o conheço pessoalmente. Mas conheço muita gente na ONU e nas missões por onde ele passou que louva as suas excepcionais qualidades profissionais e pessoais e a sua dedicação ao serviço da ONU. Qualidades evidenciadas quando ele, ainda não refeito do atentado a que escapou, assumiu a substituição do Sérgio em Bagdad.
Também conheço a ONU e sei como ela funciona. Conheço a Sra. Louise Fréchette, que veio para SG Adjunta e começou a chefiar o SGI no tempo em que eu trabalhei no Conselho de Segurança, onde Portugal tinha a presidência do Comité de Sanções ao Iraque e começou a aplicar o programa «oil for food».
E o que li na «UN News» cheirou-me muito, mesmo muito mal. Eu defendo afincadamente a ONU e isso implica criticá-la quando é preciso e se justifica. As «responsabilidades colectivas pelas falhas» servem para safar alguns. Porque são canadianos ou de outros países que sabem trabalhar nas instituições multilaterais, investindo em colocar, apoiar e promover os seus nacionais nos quadros da ONU. Mas não funcionam para outros, como Ramiro Lopes da Silva. Porque é português e Portugal não sabe respaldar os seus nacionais.
Que fez o MNE? A Ministra terá sido alertada? O Governo não faz nada, deixando tornar bode expiatório um português valoroso?
Como me observou um amigo que trabalha em Nova Iorque, na ONU: «Parece que estão a castigá-lo por não ter morrido no atentado de Bagdad. Será que o Sérgio também estaria a ser punido se tivesse sobrevivido?»

Ana Gomes