José Pacheco Pereira terminou ontem no Público a sua série de artigos sobre a impossibilidade de as democracias contemporâneas fazerem e ganharem guerras. Tendo como tela de fundo a guerra do Iraque, de que ele foi um militante adepto, a tese de JPP não passa porém de uma elaborada tentativa de justificar o seu fiasco: ela falhou porque hoje as democracias não dispõem das condições de outrora para travar guerras.
Na verdade, porém, ela falhou porque foi ostensivamente ilegal e ilegítima, porque foi feita deliberadamente à revelia das Nações Unidas, porque foi uma guerra de agressão e de ocupação que encontrou muita oposição noutros países e na generalidade da opinião pública mundial, porque desencadeou uma forte reacção no País ocupado contra as forças ocupantes, porque se baseou em pretextos que, depois de revelados falsos -- a história da armas de destruição maciça e as ligação de Bagdad à Al-Qaeda --, a deslegitimaram face à opinião pública dos próprios Estados Unidos e seus aliados na guerra. Parece hoje evidente que se na altura se soubesse que os pretextos da guerra eram infundados, teria sido impossível obter o necessário apoio dos parlamentos e da opinião pública.
Mas o insucesso da guerra do Iraque nada prova sobre a capacidade das democracias para desencadearem e conduzirem guerras justas, ou seja, guerras de defesa contra a agressão ou ameaça de agressão alheia -- nos termos da Carta das Nações Unidas -- ou guerras motivadas por fortíssimas razões humanitárias (nomeadamente genocídios), ultimamente admitidas. Nada do que JPP diz sobre a suposta incapacidade das opiniões públicas dos países democráticos para suportarem guerras (tendo em conta a guerra do Iraque) valeria, pelo menos nos mesmos termos, para o caso de guerras legítimas e justificadas.
O que o fracasso da guerra do Iraque mostra é que nem a maior superpotência consegue triunfar na invasão e ocupação de outros países, sem motivos bastantes. Mas não existe nenhuma razão convincente para sustentar que as democracias de hoje não estariam em condições de travar e vencer uma II Guerra Mundial. Aí estava em causa uma guerra de legítima defesa contra a agressão nazi e nipónica na Europa e no Pacífico, com ocupação e opressão de numerosos países e povos. Nada indica que os povos dos países democráticos de hoje estejam menos preparados para defenderem o seu país da agressão ou ocupação estrangeira ou de ir em socorro dos aliados que sejam vítimas delas (como aliás sucedeu na primeira guerra do Golfo, contra o mesmo Iraque, motivada pela invasão do Kuwait e por isso apoiada praticamente por toda a comunidade internacional) com o mesmo "patriotismo" e o mesmo entusiasmo do passado. Por conseguinte, a guerra do Iraque não significa um requiem pela capacidade das democracias para fazerem toda e qualquer guerra, mas sim somente para fazerem as guerras que desde logo não devem ser desencadeadas, por serem ilegítimas e/ou desproporcionadas. As guerras ilegítimas não deixam de o ser só por serem desencadeadas por democracias.
Ainda bem que elas podem falhar!
Vital Moreira