terça-feira, 1 de junho de 2004

Já chegámos a Lisboa?

Embora sempre a tenha ouvido desde que me conheço, ignoro a origem histórica da frase usada pelos continentais para caricaturar situações e comportamentos disparatados: «Já chegámos à Madeira?». Ao contrário do que muitos possam pensar, essa origem será muito anterior à era jardinista, embora só depois dela se tenha tornado um verdadeiro clássico. O jardinismo emprestou uma pertinência mais anedótica e folclórica do que nunca à famosa frase. E quando no resto do país acontecem coisas de bradar aos céus, lá se questiona invariavelmente se já aqui se chegou.

Mas os tempos estão a mudar. O exemplo da Madeira, em vez de constituir uma surrealista extravagância insular, parece ter conquistado definitivamente o coração dos mais excelsos corifeus da civilização "laranja" continental. No recente congresso do PSD regional, o empresário e deputado Dias Loureiro afirmou que o seu sonho era ver Portugal transformado numa «imensa Madeira». (Presume-se que, entre outras coisas, gostaria de exportar para o continente o liberalíssimo regime vigente na região em matéria de incompatibilidades entre interesses económicos privados e cargos políticos). O próprio Pinto Balsemão, tão atacado por Jardim como um dos cérebros da conspiração marxista da comunicação social, não resistiu a prestar vassalagem ao seu arqui-inimigo. Quanto a Durão Barroso, proclamou o inultrapassável patriotismo de Jardim depois deste ter ameaçado com a saída da Madeira da União Europeia. Só faltou mesmo Manuela Ferreira Leite enaltecer o défice zero das contas regionais e apresentá-lo como lição ao rectângulo despesista que tantas dores de cabeça lhe dá. Mas a arrogância e má-criação da ministra nos debates parlamentares comprovam como aprendeu depressa os superiores ensinamentos de Jardim.

O último congresso do PSD nacional confirmou a tendência. Durão Barroso acusou o governo de Carlos César de ameaçar as liberdades democráticas nos Açores, ao mesmo tempo que celebrava as excelências incomparáveis do jardinismo. Ou denunciava, no mais retinto estilo jardinista, uma tenebrosa conspiração comunista para desestabilizar o regime democrático durante o Rock in Rio e o Euro-2004. Finalmente, a campanha eleitoral para as Europeias tornou-se um festival de insultos dos partidos da direita, onde nem sequer é poupada a aparência física do prof. Sousa Franco. Tudo jardinismo puro, requintadíssimo.

Por isso, Jardim que se cuide. No estado em que estão as coisas no rectângulo, ou ele aproveita a onda para emigrar para lá e tomar de assalto o laranjal "cubano", ou então tem de rever radicalmente o seu estilo se quiser manter a inconfundível originalidade de marca. Neste caso, promovendo na Madeira uma escola de boas-maneiras e chá das cinco. Não seria, além do mais, um surpreendente e irresistível cartaz turístico? O «Já chegámos à Madeira?» passaria definitivamente à história, e a má-criação e boçalidade "cubana" faria os educadíssimos madeirenses lançarem o desafio: «Já chegámos a Lisboa?» Já imaginaram o efeito bombástico que teria ver Jaime Ramos transformado em príncipe da etiqueta?

Vicente Jorge Silva

(este texto será publicado na próxima edição de "Garajau", "quinzenário sério e cruel" do Funchal)