quarta-feira, 28 de julho de 2004

O Maria da Fonte

Há muito que Alberto João Jardim esgotou o seu reportório. E o Chão da Lagoa transformou-se num disco riscado, riscadíssimo, depois de tanta repetição. Terminada a habitual prova de resistência gastronómico-alcoólica nas mil barraquinhas do festival laranja ( prova de resistência que ultrapassa a normal capacidade humana, diga-se em abono da verdade) Jardim quer mostrar que sobreviveu à batalha dos copos, mesmo quando lhe acontece partir um braço na subida para o palco. Foi assim anteontem, ontem, e é assim hoje como será amanhã (se esta história patética estiver condenada a eternizar-se).

Tem sido sempre assim, desde tempos quase imemoriais. Chegada a hora de botar discurso, Jardim articula umas trogloditices para animar o povão, trogloditices essas que só são superadas pelas javardices simiescas do inevitável cromo Jaime Ramos. Se ainda houvesse dúvidas sobre a regressão mental madeirense, desde o momento, já longínquo, em que Jardim se tornou senhorio e festeiro da Madeira Nova, o repetitivo «show» do Chão da Lagoa seria suficiente para esclarecer-nos em definitivo.

O avisado Santana Lopes (que se fez convidar segundo Jaime Ramos e que foi convidado por Jardim segundo este) acabou por não comparecer. Jardim sentiu-se, por isso, mais livre para disparatar à vontade como é seu timbre, mas sem conseguir esconder a frustração por não ter sido proposto para um cargo ministerial (como intimamente desejava) no Governo de Santana.

De resto, o posto a que Jardim secretamente se propunha (o de ministro da Defesa) continuou ocupado pelo seu recentíssimo inimigo de estimação, Paulo Portas. Não terá sido, aliás, por acaso, que o Paulinho das feiras decidiu dar um rebuçado de consolação ao líder regional do CDS, José Manuel Rodrigues, vaticinando o fim próximo do ciclo político jardinista na Madeira. Jardim foi um motivo suplementar para marcar as distâncias entre os parceiros da coligação.

O problema é que Jardim (tal como os seus sequazes) perdeu completamente a imaginação. À falta de novas causas mobilizadoras, resta-lhe representar agora o papel de Maria da Fonte, mobilizando os distritos do Portugal profundo contra a horrorosa Lisboa.

Depois de sacar à grande e à francesa todos os fundos e subsídios possíveis e disfarçar os patamares mais inverosímeis do endividamento regional para garantir a subsistência das suas clientelas políticas e empresariais (que, aliás, se confundem, como atesta o caso de Jaime Ramos e confrades), o tiranete madeirense ainda tem o descaramento de lançar uma guerrilha regional contra a mão que o alimenta. Só que isso não representa sequer novidade nenhuma ? e, ainda por cima, Jardim já nem ameaça com as velhas teses separatistas. Ninguém o ouve, afinal.

Jardim limita-se a fazer o seu habitual número de circo para disfarçar a fragilidade e o isolamento a que foi votado por um Governo com o qual era suposto ter as mais íntimas afinidades políticas. Os Açores ganharam um ministro na equipa de Santana Lopes e a Madeira não teve direito a nenhum. A Madeira tornou-se, definitivamente, um fenómeno extra-terrestre na contabilidade política nacional. É por isso que resta apenas a Jardim converter-se em Maria da Fonte. Pobre e ridículo destino!

Vicente Jorge Silva

(Uma outra versão deste texto é publicada hoje no «Garajau», «quinzenário sério e cruel» editado na Madeira)