Manuel Alegre, candidato da ala esquerda do PS à liderança do partido, voltou atrás nas suas justíssimas e justificadíssimas críticas à duplicidade dos papéis de Jorge Coelho, enquanto responsável pelo sector autárquico socialista e, simultaneamente, apoiante declarado de José Sócrates.
Alegre, além dos seus conhecidos talentos literários, é uma excelente pessoa que se deixa trair, com frequência, por uma incorrigível ingenuidade política. Em tempos, depois de ser um dos críticos mais acerbos do guterrismo, acabou por render-se ao discurso «de esquerda» que Guterres concedeu fazer, durante um congresso, para domesticar as veleidades do romântico histórico socialista. Agora, o escritor parece ter ficado receoso das consequências nefastas que as críticas a Coelho poderiam provocar na sua candidatura e na sacrossanta «unidade» do partido.
Coelho é, de facto, um homem poderoso, demasiado poderoso e influente na máquina partidária socialista, um fazedor de reis. Aparentemente, toda a gente tem medo dele (veja-se a deferência que todos os notáveis do PS lhe manifestam, como João Soares, por exemplo). Ora, precisamente, um dos sinais clarificadores dentro do PS seria criar uma distância crítica relativamente a Coelho e a tudo o que ele representa como expoente do mais típico clientelismo e aparelhismo socialista.
Alegre começou por pôr o dedo na ferida e esse gesto significava a ousadia estimulante que poderia constituir a sua candidatura. Ao recuar, acabou por retirar-lhe essa diferença e colocou-se numa posição vulnerável e frágil, do ponto de vista político e ético, face à intocabilidade de Coelho. Será que este está acima da isenção e imparcialidade que se exigem a quem desempenha um papel tão relevante como o dele na máquina partidária? Ou será que, por ser quem é, Jorge Coelho pode reunir com os autarcas do PS numa manifestação de apoio a Sócrates e assegurar, ao mesmo tempo, uma conduta irrepreensível na chefia do sector autárquico do partido?
Vicente Jorge Silva