Faz hoje um ano, morreu Sérgio Vieira de Mello. Um homem bom, inteligente, bonito, simpático, divertido, ambicioso, brilhante e dedicado servidor da Humanidade. Barbaramente colhido no meio duma guerra bárbara como todas as guerras são. E apagando-se em lenta agonia porque tardaram recursos de salvamento.
Morreu como passou a maior parte da vida: a trabalhar pela ONU e pelos seus nobres ideais, que tantos desprezam e violam. Como Bush e os neo-conservadores que lançaram o mundo nesta guerra ilegal, injusta, escusada, baseada em mentiras, a que ainda hoje não vemos o fim, nem o sentido, depois de milhares de mortos iraquianos, americanos, britânicos e de gente todas as nacionalidades, incluindo o Sérgio e mais vinte e um companheiros da ONU.
Estar em Brasilia dá-me a sensação de estar perto do Sérgio, hoje. Enfim, cada qual lambe as feridas como pode... pois sei bem que ele, além de cidadão do mundo, era muito cioso das suas raízes cariocas. Como evidenciou naquela contundente observação, pouco antes de morrer, de que compreendia a raiva dos iraquianos contra os invasores, auto-proclamados libertadores: «Eu também não gostava de ser libertado com tanques estrangeiros a passearem por Copacabana...».
Logo de manhã, revivi episódios em que conspiramos com bons resultados - pouco em Genebra, bastante em Nova Iorque e muito entre Jacarta e Dili (ficam para as memórias da Indonésia que tive de pôr em pousio e espero em breve retomar).
Os jornais brasileiros trazem evocações da sua memória e da vileza do atentado que o vitimou, enlutando o mundo inteiro. Há uma cerimónia no Itamaraty. E a CNN trouxe-me Genebra em directo. O Kofi Annan a contar como foi devastador para a ONU o abalo da perda do Sérgio e dos seus 21 companheiros, e a frisar que ainda está à espera dos resultados do inquérito prometido pelas autoridades americanas de ocupação, responsáveis pela segurança da ONU em Bagdad.
Coitado do Kofi - envelheceu tanto! Percebia-se quanto sofre realmente e quanto lhe foi doloroso ler aquele discurso(que o Shashi Taroor provavelmente escreveu, também ele a sangrar pelo amigo perdido). As câmaras filmaram a Nane Annan, quando ele disse que só ela, talvez, saberá o que lhe custou viver este ano, desde o desaparecimento do Sérgio e dos outros 21 colegas. E evocou as vezes sem conta que é assaltado pela memória das últimas conversas que teve com eles, precisamente quando os instruiu a avançarem para o Iraque, para a morte...
Meia-hora depois tocou o telemóvel. Era o meu querido Gordon Martin, correspondente do «Daily Telegraph», o decano dos correspondentes de imprensa nas Nações Unidas em Genebra. Já não falávamos há um ano, precisamente desde o funeral do Sérgio, onde a Joana o fora reencontrar. Para dizer que acabava de vir da cerimónia e tinha pensado em mim. Afinal, mesmo longe, muito longe, conseguimos estar perto dos amigos.
Ana Gomes