O processo Casa Pia, tal como tem vindo a decorrer desde o início, só remotamente servirá para apurar a verdade e garantir justiça às vítimas indefesas dos crimes pedófilos. Mas, em contrapartida, serviu para tentativas anónimas de assassinato de carácter, perpetradas por um tenebroso conluio entre mentes doentias, mitómanas e ressentidas que reúnem o que há de pior em dois pilares de uma sociedade democrática: a justiça e os media. O reles atrai o reles: eis uma velha verdade nunca desmentida.
Entretanto, como Deus escreve direito por linhas tortas, é sempre possível que, à falta da justiça propriamente dita, se obtenha, pelo menos e para já, uma justiça?poética. É esse o efeito imediato do «caso das cassetes roubadas», através do qual se celebraram as núpcias entre o rebotalho da justiça e o jornalismo de sarjeta.
Depois deste strip-tease, deste cair de máscaras, é preciso que se tirem todas as consequências do caso e se vençam os bloqueios corporativos para que a miséria moral dos comportamentos não fique impune (custe o que isso custar aos seus autores, cúmplices ou encobridores, chamem-se estes Procurador-Geral da República ou Sindicato dos Jornalistas) e para que as aparências da hipocrisia institucional não prevaleçam uma vez mais. É fundamental pôr inteiramente a nu a tramóia de uma justiça que, em vez de investigar, intoxica e difama a coberto do anonimato, e de um jornalismo dito investigativo que vorazmente se alimenta desse anonimato irresponsável e sórdido.
Vicente Jorge Silva