("Vindimas na Anadia", azulejos na estação ferroviária de Aveiro, fot. de Miguel Lacerda)
Primeiro era a ida para as vinhas colher os cachos, em cestos de vime, transportados à cabeça para serem despejados nas dornas e transportados para a adega em carros de bois. Era um trabalho familiar e de entreajuda de vizinhos. Os viticultores mais abastados contratavam ranchos que vinham lá de trás das serras do Buçaco e do Caramulo, que se vêem de toda a região vinhateira. No derradeiro dia da vindima as últimas dornas vinham engalanadas, ouvia-se música de acordeão e no final havia a adiafa, com papas de milho (em que minha mãe primava) e vinho "velho".
Depois eram os trabalhos da adega, acto contínuo, sem interrupção, dia e noite. Os cachos eram esmagados à força dos pés de homens imersos no lagar até às virilhas em filas, com movimentos ritmados, à voz do mais velho ou experiente. Logo após vinha a fermentação do mosto, com o seu som quente e surdo e o seu odor intenso e inebriante. Finalmente, a trasfega do vinho feito para os tonéis e a prensagem dos engaços para extrair o vinho neles retido.
O ciclo do vinho só se completava com a prova do vinho novo pelo S. Martinho, sem esquecer as excitantes noites de queima do bagaço num dos dois alambiques da aldeia, para fazer a aguardente bagaceira. A adega transformava-se na sala de visitas dos vinicultores.
Poucas coisas se tornaram tão indeléveis para mim como estas memórias infantis do meu "país do vinho".