Os posts antecedentes de Vicente Jorge Silva e Luís Nazaré sobre um incidente entre Paulo Portas e Francisco Louçã partem de um pressuposto certo, ou seja, o de que é lícito exigir aos políticos coerência entre as suas posições públicas e a sua vida privada, podendo ser publicamente expostos em caso de contradição. Assim é defensável a denúncia pública de uma dirigente política contrária à despenalização do aborto em nome do "direito à vida", vindo depois a saber-se que ela mesma praticou um.
A questão é de saber se no caso concreto pode ser invocada uma situação desse tipo. Concretamente, existirá alguma contradição moral entre ser contra a despenalização do aborto e ser, por hipótese, homossexual? Um homossexual não poderá adoptar uma moral reaccionária nessa matéria (e noutras)? A sua posição antidespenalização tornar-se-á inadmissível só por causa da sua orientação sexual? Por mim não vejo nenhuma incompatibilidade moral entre as duas coisas. Os homosexuais não têm por que ser "liberais" noutras matérias.
Voltando ao caso concreto, Portas pode ser ultrademagógico e até pouco ou nada sincero na sua cruzada contra a despenalização do aborto, como são muitos políticos de direita para cativar o voto religioso e conservador. Ele deve ser politicamente combatido por essas posições. Mas, a meu ver, a sua real ou presumida orientação sexual não é relevante nessa matéria.
Francamente parece-me mais contraditório e mesmo "hipócrita" que os que se afirmam campeões da não discriminação por motivo de orientação sexual e dos direitos dos gays não admitam depois que eles possam ter uma posição "heterodoxa" no que respeita à despenalização do aborto. Eis porque não posso aplaudir Louçã, antes pelo contrário.