No PÚBLICO de ontem Teresa de Sousa analisa "A (IN)EXPLICÁVEL AUSÊNCIA DO IRAQUE" do debate eleitoral sobre política externa (qual debate sobre política externa ? pois nem sequer a Europa se discute e já é mais política interna, do que externa....). Em regra, aprecio as análises de TdS, mesmo quando delas discordo - e discordo menos frequentemente do que concordo (como ressalta do excelente texto que TdS hoje assina no mesmo jornal - "Um caminho de dois sentidos"- e dos meus posts do passado dia 2 sobre as eleições no Iraque e o novo relacionamento UE-EUA que deveriam abrir).
TdS explica por que o Iraque está a ser "cuidadosamente evitado pelos dois grandes partidos políticos portugueses" e até pelo líder do CDS/PP, que preferiu ir à pesca de votos, em vez de o ir discutir com o seu "amigo" Rumsfelt na Cimeira da NATO, em Nice há dias... Mas, ao olhar para trás, TdS simplifica excessivamente: fala de "uma linha anti-americana e legalista" que prevaleceria na liderança do PS durante a controvérsia provocada pela guerra do Iraque.
TdS escamoteia, porventura por economia de espaço, que o consenso que desde 1974 existiu em torno da política externa entre a esquerda e a direita em Portugal, fundado na Constituição da República - que impõe o respeito "legalista", "formal" e informal, do Direito Internacional e da legalidade internacional - foi, de facto, rompido por Durão Barroso e pela coligação de direita ao apoiarem a guerra "preventiva" de Bush e Blair no Iraque, na base de pretextos enganados e enganadores, e a subsequente ocupação militar. Mas, ao rotular de "anti-americana" a linha da direcção Ferro Rodrigues do PS, TdS resvala num primarismo incompatível com a qualidade da sua análise, em geral.
Acontece que tive algum papel (de que me orgulho) na definição dessa posição nessa direcção do PS, como então Secretária para as Relações Internacionais. Habituei-me então a ouvir reaccionários encartados e certos jornalistas e comentadores a tentarem desvalorizar quem lhes fazia frente com o argumento ad terrorem do "anti-americanismo". Não só não me assustaram, como me deu vontade de rir ser acusada de "anti-americanismo": na verdade, em todos os postos por onde passei em mais de 20 anos de carreira diplomática e em especial nas instâncias mais sensíveis da ONU, como a Comissão dos Direitos Humanos e o Conselho de Segurança, trabalhei sempre em intensa articulação com parceiros americanos governamentais e não-governamentais. E sempre lhes disse, com a lealdade indispensável aos verdadeiros amigos e aliados, o que pensava sobre as suas políticas e actuações quando delas discordava ou antevia consequências negativas. Nunca me prestei, evidentemente, a ser avençada ou sequer a ficar a dever-lhes uma viagem ou estágio, daqueles que instituições americanas diversas patrocinam para diplomatas e jornalistas ou para políticos em travessias do deserto... (O PÚBLICO ainda dia 9 noticiava "Pentágono pagou trabalho a jornalistas estrangeiros").
Se, numa lógica primária e simplista, ser frontalmente crítico em relação a políticas do governo dos EUA é ser "anti-americano", então deverei um dia destes ser considerada também "anti-europeia", por vir fustigando no PE os governos europeus que estão a procurar levantar o embargo de armas à China. E nisto até alinho, sem complexos, com parte das considerações da actual administração americana....