Suponha que o seu vizinho é empresário ou advogado, vive numa excelente moradia, troca de carro de 6 em 6 meses e passa férias quase sempre em Bora-Bora. Apesar disso, declarou o salário mínimo. O que aconteceria quando tal fosse conhecido?
Hipótese 1: Ficaria escandalizada e ele incomodado, direi mesmo envergonhado, com a situação. Mesmo que aparentemente legal, a "ousadia" do seu vizinho seria objecto de uma forte condenação social. Talvez tal "proeza" não fosse repetida.
Hipótese 2: Correria a perguntar-lhe como é que isso foi possível, dizendo para si própria: «para o ano eles vão ver se não faço o mesmo. Parva só uma vez!». [Nota: "eles" são alguém que lhe é totalmente estranho. "Eles" não são, evidentemente, os que pagam a escola gratuita que o seu filho frequenta, nem o SNS. Nem são "eles" que pagarão a sua reforma de funcionária pública que espera esteja garantida quando fizer 60 anos].
A primeira hipótese referida é o pressuposto do regime de transparência das declarações do imposto sobre o rendimento em alguns países do norte da Europa, de tradição protestante, onde a responsabilidade individual é culturalmente muito marcada.
É de saudar a transposição desse regime para Portugal, como hoje anunciou o Ministro das Finanças. Tenta, assim, contrariar-se a tradicional irresponsabilidade fiscal. Mas convém não esquecer as diferenças no nosso contexto cultural. Elas devem ser tidas conta quer nas expectativas depositadas na medida, quer no modo como, em concreto, ela será concebida, sob pena de nenhum efeito ou até de um efeito contrário ao pretendido.