terça-feira, 30 de agosto de 2005

Sobre a traição

Manuel Alegre é um poeta importante. A sua extraordinária voz foi um instrumento que se instalou nos corações de quem sonhava um país diferente. Muitos corações pareciam estar sintonizados na Rádio Voz de Argel e na voz que era o mapa imaginário de todas as utopias.
Depois de 1974 o poeta quis contribuir de forma directa. Além das palavras escritas e ditas entrou para o palácio onde se negoceiam compromissos que, tantas vezes, são contraditórios com a utopia de que era profeta. Alegre tornou-se um aliado de Mário Soares, um amigo próximo, a prova de que o líder histórico do PS, apesar do canto doce do poder, continuava a ser uma espécie de cavaleiro da esperança.
Soares tinha uma voz romântica como alterego, Alegre ganhava um palco de acção. Na verdade, a carreira política de Alegre deve-se a Mário Soares. Sem ele Manuel Alegre não existiria. É por isso que este amuo vaidoso do poeta de Argel é uma traição ao seu passado. Se avançar, coisa em que não acredito, terá que se dilacerar com a culpa de ter avançado.
Alegre pode gostar de D. Quixote, rever-se inclusive na extraordinária figura de Cervantes. Mas o que está a fazer não é digno de um fiel escudeiro que, pelos vistos, tem agora como aliado mais próximo o espelho enfeitiçado da bruxa das histórias de infância. Os apoios que diz fantasiosamente ter tornam-no num personagem menor. E Alegre não merece isso.