Que os opositores à despenalização do aborto falem em "referendo sobre o aborto" (ou "referendo do aborto"), compreende-se, pois isso favorece a sua posição. Mas que essa expressão imprópria seja utilizada inadvertidamente pelos media e mesmo por alguns adeptos da despenalização, isso é que já não se entende.
O referendo não é sobre o aborto, ou seja, não é para exprimir uma posição a favor ou contra o recurso ao aborto (até porque, suponho, ninguém é a favor dele). O referendo é, sim, sobre a despenalização (parcial) do aborto, ou seja, tem por objecto saber se a interrupção voluntária da gravidez -- quando realizada nas primeiras 10 semanas de gestação em estabelecimento de saúde legal -- deve, ou não, deixar de ser punida criminalmente, como actualmente sucede (salvo nas três situações limitadas que hoje já não são puníveis).
Uma coisa é a posição ou o juízo social ou moral de cada um sobre o aborto em si mesmo, outra coisa é saber se, qualquer que seja essa posição, achamos que as mulheres que o pratiquem devem ser punidas como criminosas e condenadas a prisão. O objecto do referendo é somente a criação, ou não, de uma excepção ao artigo do Código Penal que o qualifica como crime.