Como antes explico, defendo sem pestanejar a necessidade de cooperação dos serviços secretos portugueses com a CIA, e outros congéneres, designadamente no quadro da luta contra o terrorismo.
E defendê-lo não é incompatível com a exigência que faço de que se investigue seriamente os chamados "voos da CIA" e se apure o grau de envolvimento de Portugal e outros países europeus na operação desses voos. Pelo contrário, essa investigação é mesmo essencial para que essa cooperação seja eficaz,legítima e legalmente inquestionável.
Porque essa cooperação só produzirá efeitos perversos na luta contra o terrorismo se assentar em práticas violadoras dos direitos humanos, da legalidade, do Estado de Direito e do Direito Internacional.
E é isso que está a acontecer na operação dos chamados "voos da CIA".
Que não são operações de "intelligence" respaldadas na lei.
Os chamados "voos da CIA" são na maior parte dos casos, de aeronaves civis, privadas, em voos particulares. Servem a operação das chamadas "extraordinary renditions" que implicam a detenção e interrogatório sob tortura de prisioneiros mantidos fora da lei, em prisões secretas ou inacessíveis, sem base legal nos próprios EUA, como veio declarar em Junho o Supremo Tribunal Federal.
Os chamados "voos da CIA" são operados por empresas de fachada (muitas são só uma caixa postal...) e transportaram uma série de pessoas inocentes, perfeitamente identificadas, de várias nacionalidades, entretanto libertadas pelos EUA das prisões secretas ou de Guantanamo, depois de aí terem passado anos sem qualquer acusação ou processo judicial, depois de terem sido feitas "desaparecer", sofrendo sequestro, prisão e tortura.
Os chamados "voos da CIA" poderão ter também servido para transportar verdadeiros terroristas, suspeitos e bem suspeitos. Mas a verdade é que até hoje, através desse programa de "extraordinary renditions" operado pela CIA a mando da Administração Bush, ainda não foi apresentado um único preso a julgamento! Um único preso que tenha sido acusado, julgado e exemplarmente punido por terrorismo. Nos EUA ou na Europa. Pelo 11 de Setembro de 2001 ou por qualquer outro acto de terrorismo. (Zacarias Moussaoui, o único suspeito julgado nos EUA, foi legalmente preso e mantido no sistema prisional americano até ser julgado; nunca foi, portanto, objecto deste programa de "extraordinary renditions").
Em contrapartida, em Espanha, segundo o devido processo legal, já estão a começar a ser julgados os suspeitos dos atentados do 11 de Março de 2004. E não foi preciso transportá-los tortura em prisões líbias, sírias ou marroquinas, nem foi preciso mantê-los em prisões secretas, à margem da lei.
É fundamental que os suspeitos de terrorismo sejam exemplarmente julgados. E exemplarmente punidos, se forem judicialmente condenados. Não é isso que está a acontecer nos EUA. Não é isso que está a resultar do programa das "extraordinary renditions". Nâo é isso que está a resultar dos chamados "voos da CIA" que sulcaram (e porventura sulcam ainda) os aeroportos europeus. Incluindo os portugueses.