Cheguei há pouco de uma viagem ao Kosovo, sobretudo para contactos sobre a preparação da missão PESD (Política Europeia de Segurança e Defesa), que em breve para lá deve avançar. A maior missão civil da PESD, com 1800 pessoas, entre polícias, magistrados e juristas (e são muito precisas e pedidas mulheres – o MNE, MAI e MJustiça têm de se chegar à frente oferecendo mulheres polícias e juristas, que não nos faltam e não se cortam de ir – se souberem que se podem candidatar).
Cheguei mais preocupada do que fui. Ir ao terreno faz diferença, ainda que por curto tempo. Percebi, entre outras coisas, que a UE pode fazer toda a diferença - e até aqui não fez...
Não, não venho preocupada com a possível “bordoada” a pretexto da declaração de independência – que está, tudo indica ainda para este mês. Todos os interlocutores, quer kosovares ou estrangeiros – da UNMIK, K-FOR, EUPT, Comissão Europeia – estão confiantes de que não vai haver guerra ou violência (embora sejam de esperar provocações), quer porque tanto kosovares albaneses como sérvios estão cansados de guerra, quer porque a K-for já aprendeu as lições dos motins de 2004. Todos os interlocutores estão também confiantes de que as sanções sérvias/russas serão mais simbólicas e políticas do que económicamente danosas (embora alguém vá ter de pagar a factura da parte da energia que o Kosovo não produz e hoje importa da Sérvia e amanhã e durante mais uns anos terá de importar de qualquer vizinho).
Venho preocupada com o médio e longo prazo. Pristina é uma cidade caótica, suja, desordenada, combinando ruelas enlameadas, casebres e prédios decadentes e mamarrachos novos em construção – pior que a Brandoa de há 20 anos atrás. O Kosovo não tem economia que sustente a independência, a não ser a dependente das redes da criminalidade organizada.
Na divisão de trabalho dentro da UNMIK cabia aos europeus, nos últimos 8 anos em que o Kosovo viveu já separado da administração da Sérvia, ter lançado as bases e estruturado a economia kosovar: nada de relevante foi feito – nem sequer foi actualizada a tecnologia da única instalação de produção de energia local (e por isso hoje parte tem de ser importada).
Não há investidores estrangeiros que arrisquem investir onde a segurança é incerta, a energia falha e a mão de obra tem baixissima qualificação. As expectativas da população kosovar são altissimas sobre a viragem que independência trará – medem-se pelos milhares de casas tipo “maison” ainda por acabar mas já habitadas que bordejam as péssimas estradas.... Dificilmente essas expectativas poderão ser satisfeitas. A prazo, isso pode levar a revoltas populares. Tanto mais que, tudo indica, no poder vão estar meia dúzia de famílias que, entre si, repartem os negócios de todos os tráficos ilícitos que hoje se cruzam no Kosovo (nos 80 km de estrada entre Pristina e Prinzen, no sul, há dezenas de estações de serviço e móteis, novinhos em folha, todos às moscas – a UNMIK sabe que só servem para lavar dinheiro e sabe quem está atrás...) .
A UNMIK e os americanos que por detrás a manejam fizeram vista grossa à criminalidade organizada, quando não ajudaram a dar legitimidade política a alguns dos principais “padrinhos”.
A UE tem de fazer agora, rapidamente e em força, o que não fez nos últimos 8 anos: cuidar de promover a actividade económica no Kosovo – inclusivé a que a maioria dos kosovares mais deseja, a agrícola – ao mesmo tempo que investe nas infra-estruturas básicas, na educação e qualificação da dominante população jovem (a mais jovem da Europa) e ajuda a estruturar as instituições da lei, ordem e governação. Isso exije combater determinadamente, exemplarmente, a criminalidade organizada, por mais altos que sejam os níveis em que esteja instalada.
Não vale a pena agora discutir se somos a favor ou contra a independência, por fundamentadas que sejam as posições: a independência é já inevitável.
O que importa é que a UE agora não alinhe mais na entrega de um país a bandos de mafiosos. Porque até agora, objectivamente, alinhou. Não serão apenas o Kosovo e toda a região dos Balcãs quem sofrerá se os mafiosos passarem a ter o poder político: toda a Europa o pagará caro. Por isso mais vale agora que a Europa concentre esforços e não desperdice esta última oportunidade de tirar lições dos erros e omissões cometidos e, sobretudo, de fazer tudo o que há a fazer para que o Kosovo independente se torne minimamente viável e limpo.