«[Em relação ao seu artigo de ontem no Público] estamos de acordo que o país precisa de "suprir o défice de reflexão democrática" e estamos também de acordo que o actual governo "não tem primado pela imaginação e pelo debate que esta questão requer".
Onde aparentemente não estamos de acordo é na absolvição do governo por este pecado de omissão. Infelizmente, por muito que isso nos custe, o governo não peca apenas por falta de imaginação – ele peca, sobretudo, por ser agente activo do empobrecimento democrático do país. Cito apenas dois exemplos:
1) O culto da personalidade – a democracia é colegialidade, equilíbrio de poderes, diálogo, discussão. A imagem que este governo deliberadamente nos dá é o oposto: o culto da personalidade messiânica (com a agravante de o messias conduzir o povo para lado nenhum e a "salvação" – convergência económica e cultural com a Europa – estar cada vez mais distante).
2) A submissão ao poder económico – de qualquer governo, mas em particular de um governo "de esquerda", espera-se que defina e aplique regras claras sobre o jogo económico. Os favores que este governo tem feito aos grupos económicos, desde o alargamento dos contratos de concessão sem concurso público (porto de Lisboa, barragens, etc., etc.) até à impunidade garantida aos bancos (BCP, BPN, etc., etc.) até à interferência descarada no mercado (opa telecom, auto-estradas, televisão, etc., etc.) são inqualificáveis. Este governo não só não teve a coragem de acabar com o famigerado "bloco central de interesses" como o tem alimentado, incessantemente.
Pode-me dizer que não existem alternativas credíveis de governo, nem do lado da oposição, nem do interior do PS. É verdade, mas o argumento não é válido, do meu ponto de vista, como justificação dos erros fundamentais deste governo. O que é grave não são erros pontuais nesta ou naquela "policy" – o que é verdadeiramente grave é a falta de "politics" – uma política de "democracia social".
Já tivemos governos (Pintassilgo, Guterres) com boa "politics" e medíocres "policies" (pelo menos, ao nível da implementação). Não qualifico as "policies" deste governo; mas, sobre a sua "politics", o meu desencanto não podia ser maior e o meu juízo não podia ser mais negativo.»
Jorge V.