Considero infundada a tese do antigo Presidente Ramalho Eanes sobre a possibilidade de dissolução parlamentar por causa da confirmação parlamentar do estatuto regional dos Açores.
Embora no nosso sistema de governo -- de parlamentarismo atípico (a que muitos chamam "semipresidencialismo") -- a dissolução parlamentar seja um acto próprio do PR, de natureza discricionária, uma tal decisão carece sempre de adequada fundamentação no quadro dos poderes de supervisão presidencial, não podendo consistir numa reacção desproporcionada à confirmação de um diploma vetado, que aliás é um acto perfeitamente conforme à Constituição, mesmo quando politicamente controverso.
O poder discricionário não se confunde com o poder arbitrário ou caprichoso. O princípio da proporcionalidade impõe moderação institucional no uso de poderes como o da dissolução parlamentar.
De resto, a soberania legislativa cabe ao parlamento, incluindo o poder de insistir em más leis. É assim necessariamente na democracia parlamentar (o mesmo sucedendo, aliás, nas próprias democracias presidenciais). A promulgação presidencial das leis não constitui um poder de "co-legislação". Tal como o Presidente pode exercer o seu poder de veto, o Parlamento pode exercer o seu poder de confirmação, cabendo-lhe a última palavra. Quem responde politicamente pelas leis aprovadas é a maioria parlamentar, nas eleições legislativas, e não o Presidente da República.