terça-feira, 12 de outubro de 2010

Em memória de Paula Escarameia


Procura-se no google uma fotografia e só sai esta, antiga e esbatida, e uma outra, ainda mais pequenina. Em contrapartida, capas de livros, artigos, intervenções sobre Timor Leste e diversos temas de Direito Internacional, em várias linguas - uma profusão.
O que diz muito sobre a Mulher - com M grande - que deixou este mundo há precisamente uma semana, no dia em que a República fez 100 anos: Paula Escarameia.
Uma Mulher que honrou a República e que prestigiou Portugal, suscitando por todos os areópagos políticos e académicos internacionais por onde passou não apenas admiração pelas suas formidáveis capacidades como jurista, como também reconhecimento pelas contribuições portuguesas que projectava, com criatividade e espírito construtivo.
Uma professora catedrática que não queria atrair atenções para si, mas era afirmativa e voluntariosa na defesa e aplicação dos principios e preceitos da lei internacional - que conhecia profundamente e que ajudou a fazer, empenhadamente. O Estatuto de Roma, do Tribunal Penal Internacional aí está, cheio de dedadas indeléveis da Doutora Paula Escarameia.
Trabalhamos anos, sem nos conhecermos pessoalmente, em sinergia pela libertação de Timor Leste, eu no MNE, ela na Plataforma de Juristas por Timor Leste, que fundou. Conhecemo-nos em Londres em 1993, numa sessão na "Bar Association" sobre Timor Leste. Reencontrámo-nos em Outubro de 1996 em Nova Iorque, na ponta final da campanha eleitoral para Portugal ter assento no Conselho de Segurança no biénio seguinte; e celebramos então conjuntamente, na nossa Missão junto da ONU, a vitória. Trabalhamos depois juntas, dois anos, na Missão em Nova Iorque - eu na nossa Delegação no Conselho de Segurança, ela representando-nos na 6a. Comissão da Assembleia Geral, a jurídica. Depois do meu regresso de Jacarta em 2003, reencontramo-nos algumas (poucas) vezes mais, em Lisboa, nos jantares da Associação Portuguesas de Mulheres Juristas e pelas causas que partilhavamos - Timor Leste, a ONU, o Direito Internacional...
Da Assembleia Geral à sua eleição para a prestigiada e prestigiosa Comissão do Direito Internacional da ONU foi um pulinho. Para ela. Porque era a Doutora Paula Escarameia - Portugal só ganhou por tabela, por ter sabido candidatar quem tinha já créditos estabelecidos nos meios jurídicos internacionais.
No passado 5 de Outubro a República ficou mais baça por ter perdido, com apenas 50 anos de idade, tão brilhante jurista, diplomata e dedicada professora.
A ONU - com os sucessos e os falhanços de sermos nós todos, de representar todos os nossos Estados - perdeu mais do que a diplomata e a jurista: perdeu uma convicta activista e advogada de defesa. Da ONU e da "rule of the law" planetariamente.
Se estivesse ainda entre nós, a Paula Escarameia hoje teria vibrado com a eleição de Portugal para o Conselho de Segurança. E, ao mesmo tempo, tal como eu, teria sentido o coração apertado pelo tremendo peso da responsabilidade e alguma incerteza.
Importaria que no MNE se dedicasse à memória de Paula Escarameia a eleição de hoje na ONU. Para que na nossa acção no Conselho de Segurança, nos próximos dois anos, nunca nos faleçam os valores, os principios e a letra do Direito Internacional, incluindo o Direito Internacional dos Direitos Humanos.