terça-feira, 6 de janeiro de 2015

O BCE resgatará a Zona Euro do austerismo alemão?

A Europa enfrenta um grave risco de disrupção económica geral, perante a perspectiva de deflação associada a um crescimento anémico. 
Mario Draghi, Presidente do BCE, reconheceu o perigo na declaração formal que fez na passada sexta-feira, 2 de Janeiro, e numa entrevista que deu a um jornal económico alemão - o risco de deflação na Europa exige acção urgente, e por isso ele anunciou que o BCE começaria a comprar dívida pública dos Estados membros do Euro, como forma de injectar liquidez na economia europeia.
É fazer aquilo que nos Estados Unidos da América se chama "quantitative easing" e  funcionou. Foi assim que lá, onde teve origem a actual crise europeia, deram  a volta por cima da crise.  Os presságios de que uma injecção de liquidez na economia viria a provocar inflação foram desmentidos. O PIB dos EUA recuperou. A retoma do crescimento e do emprego é um facto, a economia norte-americana está muito longe do perigo de deflação gerado pelo austerismo alemão aplicado à Europa.
É da Alemanha que Draghi antecipa  resistências - o governo alemão, e sua ala austeritária mais fanática, liderada pelo ministro das Finanças, Wolfgang Schäuble, têm impedido uma acção estruturada e estruturante por parte do BCE e já rosnam contra as intenções de Mario Draghi, acusando-o de exceder o mandato do BCE.  
Mas para que serve um BCE cuja única missão oficial é a de "controlar a inflação" ao nível convencionado de 2%? Face ao perigo iminente, o mandato do BCE soa caricato. Um BCE sem competências e capacidade de agir contra o descalabro não serve os interesses do euro e dos 19 membros do euro (a Lituânia aderiu ao € em 1 de Janeiro). Nem serve, realmente, os interesses da Alemanha, apenas convém à narrativa da liderança míope e preconceituada da Alemanha.  A actual crise mostra como estava errado e incompleto o desenho alemão das instituições criadas para enquadrar o Euro. 
Ora, apesar dos tremendos problemas com que se debate a Zona Euro, Berlim insiste no 'diktat, continua a querer ditar as regras sobre uma moeda que pertence a 19 países-membros  e arrasta cada vez mais a Zona Euro para um beco sem saída. 
Na mesma linha arrogante e anti-democrática, Berlim volta a querer condicionar a escolha dos eleitores gregos, acenando com a saída da Grécia do Euro, se nas próximas eleições não ganhar a coligação lá do sítio que se aplicou na receita austeritária: o escândalo é tal que até a Comissão Europeia se viu forçada a lembrar que a entrada no Euro é irrevogável. 
Só por isso, eu, socialista portuguesa, aqui deixo uma declaração de incentivo ao Syriza e a Tsipras! Precisamos de alguém com coragem no Conselho Europeu para dizer que o rei vai nu e que as dívidas públicas exorbitadas pelo austerismo são impagáveis, precisam de ser renegociadas  e precisam de políticas de crescimento e emprego para que possam ser pagas.
É urgente o BCE agora agir, como se propõe Mario Draghi finalmente fazer, não apenas em defesa do Euro, mas para evitar um cenário catastrófico: a conjugação de deflação e estagnação. Por isso é fundamental apoiar Mario Draghi para vencer a obsoleta oposição alemã. Onde estão o Governo português e o Governador do Banco de Portugal, que não se ouvem? Não estão! porque nunca se ouvem na Europa, agachados e agarrados às calças da Sra. Merkel, que vende ao público alemão a patranha de que Portugal "está no bom caminho" graças a ser "bom aluno" do austerismo.
A realidade é outra, como sabemos : Portugal coleccionou nos últimos anos um rosário negro de indicadores macroecomómicos e sociais. Desemprego, quebra de rendimentos, pobreza atingiram recordes de sempre, nos últimos 3 anos. Tal como atingiram máximos de sempre os aumentos de impostos e a injustiça na sua distribuição. 2015 arranca sem nenhuma esperança fundada de melhoria dos indicadores económicos e sociais. O Governo repete a receita cega do austerismo económico e da irresponsabilidade social. Por detrás do OE 2015 escondem-se vários jogos de sombras. Na verdade, são apenas truques destinados a criar, em ano eleitoral, três tipos de convicção: que o pior já passou, que o governo salvou o país e que até o nível de vida já melhorou. Nada mais falso. Sem níveis de investimento e de crescimento suficientes, cenário mais do que provável, agora agravado pelas sombras de deflação que pairam sobre a UE - que continua a ser o maior o principal destino das exportaçóes portuguesas - 2015 será apenas mais um ano desperdiçado. 
O próximo Governo, certamente não este, terá como tarefa primordial a renegociação da dívida pública,  que aumentou brutalmente nos últimos três anos. No actual formato de  amortização, ela consome a maior parte dos recursos necessários para desenvolver o país. É preciso renegociar a dívida. Para libertar recursos para criar riqueza e podermos pagá-la. É preciso refazer as contas. É preciso negociar prazos de amortização realistas. É preciso rever taxas de juro - algumas já acima dos valores normais de mercado. É preciso termos voz na Europa, agirmos com determinação, capacidade negocial e sem dramatizações. Precisamos uma nova atitude na Europa. Sem complexos, sem subserviências, com ambição para Portugal e para a Europa. 
2015, com as eleições de Outubro e a mudança de governo, abre-nos essa oportunidade, essa esperança. 

(Transcrição da minha crónica no Conselho Superior da Antena 1, esta manhã)