terça-feira, 3 de fevereiro de 2015

Quem mente e oculta compulsivamente, afinal?

Eu preferia falar da renegociação da divida grega, que muito nos interessa a nós, Portugal, e à Europa. Mas declarações de um enervado Vice Primeiro Ministro, na passada 6a. feira, obrigam-me a usar este espaço para reagir: 

Apodou-me Paulo Portas de mentirosa porque eu reproduzi o que diz o Ministério Público no despacho de arquivamento da investigação sobre os submarinos:


Entretanto o  MNE esclareceu, via Lusa, que a 24 de Junho de 2013 comunicou à PGR que tinha entregue uma carta rogatória às autoridades das Bahamas. Já Paulo Portas afirmou na 6a feira que, como MNE, enviou à PGR a 24 de junho de 2013 a resposta das Bahamas. Resposta que o MP escreve nunca ter  localizado.  A questão mantem-se, pois: o que aconteceu à resposta das Bahamas? Veio ou não, via MNE ou directamente, já que a PGR a não encontra?

A questão importa e muito, porque essa resposta das Bahamas pode esclarecer o circuito que percorreram os 30 milhões de euros pagos pelos alemães fornecedores dos submarinos à empresa ESCOM, do Grupo Espírito Santo. Uma sexta parte, ou seja, 5 milhões sabemos hoje, pelas gravações do Conselho Superior do GES, acabaram em "luvas" nos bolsos de Ricardo Salgado e familiares. E 19 milhões foram transferidos para o Fundo Felltree, constituido nas Bahamas para ludibriar a Autoridade Tributária portuguesa - segundo Luis Horta e Costa, administrador da ESCOM, admitiu há dias na Comissão Parlamentar de Inquérito do BES. Ora se os escroques da ESCOM lavaram através do chamado RERT (Regime Especial de Regularização Tributária) 10 milhões de euros que entretanto repatriaram, resta saber a que bolsos foram parar cerca de 9 milhões de euros nunca declarados ao fisco.

Lembro que na Alemanha foram condenados corruptores em Portugal e na Grécia pela compra dos submarinos; na Grécia está preso o ministro da Defesa envolvido; só em Portugal não se acham os corrompidos .... Ora num negócio corrupto e fraudulento como foi este, seria elementar investigar eventuais acréscimos de património de quem tomou as decisões que se revelaram altamente lesivas dos interesses do Estado.

Mas isso o MP encolheu-se de fazer relativamente a Paulo Portas e a Durão Barroso, os principais decisores políticos nesta negociata - e por isso eu requeri ao juiz de instrução criminal que se prossiga  a investigação. Sublinho, no entanto, que  o MP no despacho de arquivamento não conclui que não houve crimes, antes argumenta que o procedimento criminal  já estará prescrito, ao fim de 10 anos  - o que eu também contesto no requerimento de abertura de instrução.

Sucede que muitas das decisões mais  lesivas para o Estado foram tomadas por Paulo Portas enquanto Ministro da Defesa Nacional, como é  confirmado pelo MP no despacho de arquivamento e por abundantes elementos no processo.

Essas decisões incluiram impor a presença da ESCOM no negócio, apesar de saber que trabalhava para os fornecedores alemães, e impor o BES no consórcio financiador da aquisição, contra a vontade dos alemães que até preferiam o banco do Estado, a Caixa Geral de Depósitos, associada ao Deustche Bank. Isto é, Paulo Portas garantiu que Ricardo Salgado e os seus outros comparsas do GES ganhavam por vários carrinhos no negócio, via ESCOM e via BES.

O clamoroso conflito de interesses tinha ainda outras vertentes - o BES era o banco financiador do CDS-PP, que nele tinha contraídos
 2 vultuosos empréstimos. E fora também numa conta do CDS-PP no BES que entrara, na ultima semana de 2004, mais de um milhão de euros em súbito afã depositante de apoiantes, como o fictício  "Jacinto Leite Capelo Rego" - um dos elementos que desencadeou a investigação da PGR, juntamente com intercepções  telefónicas no processo Portucale, em que Paulo Portas é escutado a falar sobre compromissos financeiros secretos.

Por isso eu deixo ao Vice Primeiro Ministro Paulo Portas umas  singelas perguntas, desafiando-o a esclarecê-las publicamente:

- Que empréstimos, e em que condições, tinha o CDS no BES em 2003, 2004 e 2005?
- Qual era a origem do fundo para seu uso exclusivo que o tesoureiro do CDS/PP Abel Pinheiro designava  "ad usum delfini"? E qual foi o destino desse fundo: foi passado ao seu sucessor na direcção do Partido em 2005?
- O que era  "aquilo" que aproveitou para ir fazer ao Canals quando se deslocou à Alemanha no início de Março de 2005? Tratava-se de Michel Canals, sócio fundador da Akoya, sociedade especializada na fuga ao fisco e no branqueamento de capitais?

Fico, ficamos, à espera das respostas. Tranquilamente. Veremos quem mente e oculta compulsivamente, afinal.


(Notas para a minha crónica desta manhã no Conselho Superior, ANTENA 1)


Ana Gomes, MPE