1. Um leitor pergunta-me se o Presidente da República pode estabelecer condições prévias à escolha do primeiro-ministro depois das eleições e se isso pode levar à nomeação de um primeiro-ministro que não seja o líder do partido com maior representação parlamentar (seja o PSD ou o PS).
2. No nosso sistema político-constitucional, a formação de um novo Governo depois das eleições parlamentares ocorre em duas fases.
Primeiro, há a indigitação do primeiro-ministro e a sua nomeação, que naturalmente deve recair no líder do partido com maior representação parlamentar, mesmo sem maioria absoluta; trata-se do único critério objetivo compatível com a Constituição (e assim sucedeu sempre). Depois, há a sujeição do Governo à apreciação parlamentar, só podendo ser rejeitado por uma maioria absoluta dos deputados. Este sistema permite a "investidura por inércia" de governos minoritários, que "passam" sem ser explicitamente rejeitados, ou porque nem sequer houve proposta de rejeição ou porque ela não obteve a referida maioria.
Ao longo destas quatro décadas, nenhum dos vários governos minoritários saídos de eleições foi rejeitado na sua passagem pelo Parlamento. Mas nada garante que assim continue a ser.
3. Respondendo agora à questão concreta: pode o PR estabelecer condições prévias à nomeação do Primeiro-Ministro? A reposta é: pode, desde que sejam condições objetivas e não discriminatórias. Assim, se o maior partido não dispuser de maioria parlamentar absoluta, o PR pode exigir a garantia de apoio parlamentar maioritário, mediante coligação governativa ou acordo formal de sustentação parlamentar (tal como anunciado várias vezes por Cavaco Silva).
Desse modo, se o primeiro indigitado primeiro-ministro não conseguir satisfazer essa condição, poderá ser nomeado primeiro-ministro outro candidato que o consiga.
4. Note-se, no entanto, que entre nós o PR não tem meios de forçar os indigitados primeiros-ministros a formar governos com apoio parlamentar maioritário, pois não dispõe do poder de ameaçar com a convocação imediata de novas eleições (inconsequentemente a Constituição proíbe a dissolução da AR nos primeiros seis meses depois de uma eleição).
Ora, como o PR tem de nomear efetivamente um novo Governo (pois o Governo cessante perdeu legitimidade política e está em simples funções de gestão), o PR pode ter de abandonar a sua condição de governo maioritário numa segunda ronda e conformar-se com um governo minoritário do partido com maior representação parlamentar (eventualmente tornado menos minoritário mediante aliança com outro).
E se este for rejeitado na AR, o PR tem de voltar ao princípio, até haver um Governo em plenitude de funções.