sábado, 3 de dezembro de 2016

O fantasma do CETA

1. Dois deputados do BE interpelaram o Governo sobre um pedido de indemnização feito ao Estado português por causa da reversão da concessão da Carris e do Metro de Lisboa, por parte da empresa mexicana que tinha ganho a concessão.
Os referidos deputados alertam para o facto de esse litígio ir ser decido por um tribunal arbitral internacional ad hoc (ao abrigo do acordo de investimento entre Portugal e o México, que eles não referem) e acrescentam que o CETA (o acordo de comércio e investimento entre a UE e o Canadá), em vias de ratificação, vai estabelecer o mesmo mecanismo arbitral de resolução de conflitos, com o perigo de multiplicação de pedidos de indemnização de empresas estrangeiras à margem dos tribunais nacionais.

2. Sucede, porém, que a referida pergunta contém alegações e assenta em suposições sem o devido fundamento factual ou jurídico. Assim:
    - nos termos do direito civil e administrativo, a responsabilidade civil inclui obviamente a indemnização dos "lucros cessantes" em caso de quebra de um contrato, não sendo esse aspeto nenhuma inovação dos contratos de investimento estrangeiro, pelo que qualquer tribunal administrativo nacional teria de conferir a indemnização de tais danos;
   - por via de regra, os contratos entre o Estado e investidores privados (concessões, empreitadas, parcerias público-privadas, etc.), sejam nacionais ou estrangeiros, incluem uma "cláusula arbitral", pelo que não se trata de nenhuma inovação dos litígios internacionais de IDE;
  - ao contrário do que se diz na referida pergunta parlamentar, o CETA já não inclui o ISDS arbitral, tendo este mecanismo de resolução de litígios sido substituído pelo "sistema de tribunais de investimento" (ICS, na sigla inglesa), passando a ser da competência de tribunais mistos bilaterais permanentes (UE-Canadá), dotados de independência;

3. As razões para a adoção de mecanismos externos de resolução desses litígios, em vez dos tribunais nacionais, tem a ver sobretudo com os seguintes fatores:
   - estar em causa a aplicação de princípios e de convenções internacionais de IDE, matéria em que os tribunais nacionais não possuem a necessária formação e experiência;
  - a tradicional demora dos processos e recursos nos tribunais nacionais, que podem durar anos, o que se não compadece com a exigência de celeridade na resolução destes litígios de elevado valor.
Acresce que, desde o Tratado de Lisboa, a regulação de IDE passou a ser uma competência da União, pelo que os litígios podem envolvê-la como litigante ou colitigante (junto com os Estados-membros); por isso, esses litígios devem se decididos ao nível da União e não dos Estados-membros.