terça-feira, 17 de janeiro de 2017

"Contra a democracia"


1. Era inevitável que a ascensão do populismo político um pouco por todo o lado e algumas votações populares relativamente "irracionais", como o referendo do Brexit e a eleição de Trump, fizessem reavivar uma das correntes tradicionais do pensamento antidemocrático, que é o elitismo.
No seu recente livro "Against Democracy", J. Brennan, um "libertário" anti-Estado, argumenta que a democracia é um sistema político irracional, porque assenta no voto dos cidadãos ignorantes e menos informados que constituem a maioria da população. Propõe, por isso, um "governo dos conhecedores", em que os direitos políticos fossem reservados a quem passasse um teste de conhecimento político!

2. Independentemente do absurdo da tese - que regressa aos primórdios do governo representativo há dois séculos, quando só tinha voto a minoria dos alfabetizados -, importa realçar que os perigos do défice de informação e de "literacia política" dos eleitores são muito maiores nos mecanismos de democracia referendária (caso do Brexit) e na democracia presidencialista (eleição de Trump) do que na democracia representativa e parlamentar. Ao efetuar a mediação do poder político através da eleição de partidos políticos e da decisão parlamentar, a democracia parlamentar é mais apta para contornar os riscos de deriva populista da democracia.
De resto, é nos momentos difíceis que importa reter o inolvidável asserto de Churchill, segundo o qual, por mais defeitos que tenha, a democracia liberal-representativa, baseada na liberdade política e no sufrágio universal, igual e periódico, é "a pior forma de governo até agora inventada, descontadas todas os outras".