1. Só uma grande dose de imaginação política e de animosidade pessoal é que poderia levar alguém a acusar-me de "alimentar o ódio à esquerda", como faz Alfredo Barroso. É uma acusação inteiramente infundada e, mesmo, despropositada.
2. Primeiro, eu sou de esquerda e peço meças (Estado social e direitos sociais, escola pública, SNS, universalidade dos serviços essenciais, laicidade, progressividade fiscal, etc.), pelo que ser acusado de "alimentar ódio à esquerda" é um contrassenso.
O que entendo é que a esquerda se conjuga no plural e que existe uma profunda diferença entre a esquerda representada pelo PS e a dos partidos à sua esquerda, entre a esquerda social-democrata e a esquerda comunista ou aparentada, entre a esquerda moderada e a esquerda radical, entre a esquerda que valoriza a economia de mercado (regulado) e a esquerda anticapitalista, entre a esquerda de governo e a esquerda de protesto.
Para além de um fundo comum - direitos dos trabalhadores, direitos sociais, igualdade e solidariedade, ainda assim com entendimentos diferentes -, há enormes diferenças doutrinárias e políticas entre essas duas famílias da esquerda - democracia liberal, economia de mercado, integração europeia, comércio internacional, disciplina orçamental -, que inviabilizam qualquer entendimento entre elas, que não seja parcial e conjuntural (como entendo que a própria Geringonça mostra).
3. Em segundo lugar, como evidencia a minha intensa produção neste blogue ao longo de 15 anos, nunca coloco nas minhas divergências com as outras esquerdas nenhum desprezo político, muito menos pessoal. Tenho adversários, não tenho inimigos. Não participo no debate político como se fosse uma guerra. Argumento contra ideias e posições políticas e não considero as preferências políticas como questões de credo ou de caráter, nem pessoalizo divergências políticas ou ideológicas.
Obviamente, quando critico as ideias e propostas das esquerdas à esquerda do PS sublinho frequentemente a sua impraticabilidade e a sua irresponsabilidade. Mas faço-o com argumentos, não com anátemas nem ataques pessoais. Chamar a isto "alimentar o ódio" é pelo menos descabido.
4. Depois de vários anos de divergência, deixei o PCP no final dos anos 80, num processo público - protagonizado pelo "grupo dos seis" - que evidenciou as razões da rutura. Tal como outros, saí sem ressentimento nem vindictas. Desde então, tenho-me identificado continuadamente com o PS, embora sem filiação, tendo sido candidato às eleições parlamentares em 1995 (AR) e em 2009 (Parlamento Europeu), mas tendo declinado duas vezes ir para o Governo. Já lá vão três décadas, o dobro da minha filiação anterior no PCP, pelo que me considero socialista por convicção e por "usucapião".
Entretanto, mais tarde, outras pessoas com notoriedade política, como A. Barroso (que foi membro de um Governo), deixaram o PS, passando a identificar-se com o BE, por razões que expuseram publicamente. Nunca os critiquei, muito menos condenei, por isso (tendo manifestado mesmo a minha compreensão...), o que mostra a diferença de atitude. Em princípio, todos os que mudaram de partido ao longo deste anos tiveram boas razões para o fazer.
O que é difícil de entender é por que razão a minha transição política de há três décadas é maldita e outras, em sentido inverso, há três anos, são virtuosas!