sexta-feira, 1 de junho de 2018

Albergue espanhol

1. O novo Governo de Madrid, resultante da "moção de censura construtiva" do PSOE contra o primeiro-ministro Mariano Rajoy - a primeira a ser aprovada em 40 anos de democracia espanhola - é uma "geringonça" política ainda mais insólita do que a de Lisboa.
De comum o facto de se tratar de um Governo minoritário do segundo partido mais votado nas últimas eleições, com apoio parlamentar de vários outros que lhe asseguraram o afastamento do Governo em funções e lhe proporcionam uma maioria absoluta no Congresso dos Deputados. Mas é um Governo monopartidário ainda mais minoritário - pois o PSOE conta menos de 1/4 dos deputados -, ficando dependente do apoio de nada menos de 8-oito-8 partidos, onde se contam, além do Podemos, quase todos os partidos autonomistas, desde o País Basco às Canárias, passando pela Catalunha e por Valência, incluindo alguns partidos de direita. Um verdadeiro "albergue espanhol".
Além disso, não tendo havido nenhuma negociação do programa do novo Governo, também não há sequer "posições conjuntas" separadas, como houve entre nós.

2. Como é que este Governo vai aguentar-se em bases políticas tão frágeis e tão heteróclitas, é o que resta saber, tendo em conta os custos orçamentais em favor de tantos parceiros, nomeadamente o Podemos, e os custos políticos do apoio dos separatistas catalães.
Com a economia a crescer robustamente, nos 3%, não deve faltar margem orçamental para "comprar" o necessário apoio parlamentar, mesmo à custa do ritmo da consolidação orçamental. Mais complicadas vão ser seguramente as inevitáveis concessões políticas aos partidos separatistas catalães, ameaçando romper a "frente constitucionalista" até agora mantida pelo PSOE em relação à Catalunha, com o PP e com o Ciudadanos, tanto mais que a maioria dos partidos que oportunisticamente apoiaram o repto de Sánchez são a favor das teses referendárias sobre a independência da Catalunha.
Imprevisíveis, e preocupantes, vão ser os próximos tempos políticos em Espanha. O melhor seria mesmo devolver a palavra aos eleitores, em eleições antecipadas, coisa que, porém, Sánchez não fará.