segunda-feira, 18 de março de 2019

Regionalização (2): O fator perturbador da intermunicipalidade

1. Além do obstáculo do duplo referendo, referido em post anterior, a revisão constitucional de 1997 veio também introduzir um importante fator perturbador da regionalização, ao reforçar a institucionalização de entidades intermunicipais (associações de municípios), que hoje se consubstanciam nas duas áreas metropolitanas (AM) e nas 21 comunidades intermunicipais (CIM), que correspondem territorialmente às NUTS III (no mapa junto).
O problema é que a Constituição previu também que a lei lhes conferisse diretamente "atribuições e competências próprias" (além das transferidas pelos próprios municípios associados), abrindo assim caminho para a criação "furtiva" de um novo nível "intermunicipal" (mas na verdade supramunicipal) de descentralização territorial e conferindo-lhes um estatuto de "semiautarquias" territoriais (atribuições próprias, mas sem órgãos diretamente eleitos).

2. A referida cláusula constitucional permitiu que a lei das autarquias locais cometesse às entidades intermunicipais importantes tarefas de âmbito supramunicipal, que caberiam naturalmente às regiões administrativas, se estas existissem. A recente lei-quadro da descentralização territorial também vai por aí, prevendo expressamente a "transferência de competências [do Estado] para as autarquias locais e para as entidades intermunicipais".
Ao criar esse nível de descentralização territorial supramunicial (embora sem autarquias supramuncipais, por falta de órgãos diretamente eleitos), o legislador acabou por estabelecer uma espécie de "mesorregionalização", com base nas 23 NUTS III atuais, a qual vem reduzir o espaço entre o Estado e os municípios que a criação das regiões administrativas visava preencher.

3. As coisas complicam-se ainda mais, se for para a frente o projeto que estava no programa do atual Governo de fazer eleger diretamente os órgãos das áreas metropolitanas (Lisboa e Porto), que assim se transformariam em verdadeiras autarquias territoriais supramunicipais.Desse modo, e supondo que essa solução é constitucionalmente viável, nas áreas metropolitanas - que abrangem uma parte substancial da população do País -,  passaria a haver três níveis territoriais de administração infraestadual: freguesias - municípios - autarquias metropolitanas; com a hipotética criação das regiões administrativas, passariam a ser quatro níveis!
E provável que nem só os adversários da regionalização achem demais!