domingo, 7 de junho de 2020

Regionalização (3): Cegueira política

1. O Expresso deste fim de semana faz manchete com a notícia de que o Governo "acelera regionalização", referindo-se à proposta para fazer eleger os presidentes das Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR) pelos autarcas de cada uma das cinco áreas territoriais de âmbito regional.
Trata-se uma notícia pouco rigorosa (desconfio que propositadamente...). Primeiro, porque se não pode "acelerar" o que ainda nem sequer arrancou. Segundo, porque a referida solução não constitui nenhum passo na regionalização propriamente dita, embora possa aplanar o caminho em direção a ela. De facto, o equívoco termo "regionalização" significa a criação de autarquias territoriais supramunicipais, dotadas de órgãos eletivos próprios (incluindo uma assembleia representativa diretamente eleita) e de atribuições, finanças e funcionários próprios, como as demais autarquias territoriais (municípios e freguesias). Ora, nada disto está, para já, na agenda política do Governo.

2. Tanto o BE como o PCP opõem-se a essa solução, por entenderem que ela atrasa a regionalização, cuja implementação propõem desde já, mediante o necessário referendo, constitucionalmente obrigatório. Custa a comprender a cegueira política desses dois partidos.
É fácil percecionar que a possibilidade de ganhar um referendo sobre a regionalização em abstrato é tão pouco favorável hoje como há duas décadas. Os cidadãos não votam em mudanças institucionais que desconhecem, sobretudo quando têm receio de que impliquem mais despesa pública e mais "classe política".
O único modo de ganhar tal referendo consiste em chamar os cidadãos a validar uma solução de descentralização regional já potencialmente existente, como são as CCDR, com território, competências e finanças já definidas. A eleição indireta dos presidentes das CCDR, tal como proposta pelo Governo, mesmo sem alterar o atual estatuto destas, vai conferir-lhes uma dimensão de autogoverno e uma visibilidade pública, que tornarão depois mais fácil aceitar a sua substituição pela eleição dos órgãos regionais pelos próprios cidadãos.

3. Entendo que desde há muito o debate sobre esta questão se encontra inquinado pelo uso de noções politicamente "queimadas", como "regionalização" e "regiões administrativas". Por isso tenho proposto a substituição da primeira por descentralização regional e da segunda por autarquias regionais, as quais, além de mais rigorosas, são politicamente neutras.
Também me parece que todas as futuras autarquias regionais devem ter nome identificador próprio, o que não sucede hoje com as regiões "Norte" e "Centro", pelo que tenho defendido que, tal como o Alentejo e o Algarve, elas assumam os nomes das antigas províncias correspondentes, ou seja,  Minho-e-Douro e Beiras, respetivamente.
Além do mais, isso ajudaria a conferir legitimidade histórica às novas autarquias regionais.

Adenda
Um leitor argumenta que a atual região Norte compreende as antigas três províncias do Minho, Douro e Trás-os-Montes e que não faz sentido designá-la somente com o nome das duas primeiras nem somar a designação das três províncias, dada a extensão de tal nome, pelo que o melhor é mesmo manter a designação atual. Tem razão.

Adenda (2) (17/6)
O referido diploma legislativo foi entretanto publicado no DR: https://dre.pt/web/guest/home/-/dre/135951161/details/maximized?serie=I&day=2020-06-17&date=2020-06-01