quarta-feira, 28 de outubro de 2020

Bloquices (13): O fim de uma perigosa ilusão

O cinismo oportunista com que o Bloco decidiu votar contra o orçamento, apesar de todas as importantes concessões que obtivera do Governo do PS, não revela somente a incontornável leviandade política da agremiação esquerdista. Ao mostrar que não é "tábua de sustentar prego" e que pode convergir friamente com a direita num momento difícil do governo socialista (e do País), o Bloco desfaz num momento a ilusão, que muitos alimentaram, em 2015, do advento de uma nova era de alianças privilegiadas do PS com as forças à sua esquerda no parlamento, para além do tradicional "arco da governação".

Tudo indica que o namoro de quatro anos, em tempos de "vacas gordas", deu em divórcio litigioso e insidioso, quando a crise começou a morder a sério. Aos que, como o autor destas linhas, nunca acreditaram na metamorfose do Bloco em força política de vocação governamental, por incompatível com o seu ADN hostil à economia de mercado e à responsabilidade orçamental, só lhes resta comentar: «está-lhe na massa do sangue». QED!

Adenda
Um leitor pergunta se, tendo o Bloco rejeitado qualquer acordo para viabilizar o orçamento e tendo mesmo decidido votar contra, não se impõe que o Governo retire do orçamento todas as concessões que tinha feito aos bloquistas, sob pena de benefício ao infrator. Tem, toda a razão!

Adenda (2)
Um leitor benévolo diz que ainda resta a «atitude responsável e [a] seriedade negocial» do PCP. É certo, mas há que observar que (i) os comunistas já declararam reiteradamente que excluem qualquer acordo de legislatura com os socialistas; (ii) não basta a sua abstenção para sustentar o Governo, como se verifica nesta ocorrência da votação do orçamento; e, sobretudo (iii), o PCP parece ter entrado numa fase mais acentuada de declínio, como mostra a perda do seu deputado no parlamento dos Açores e a minúscula previsão de votação no seu candidato nas eleições presidenciais. Para piorar o panorama, há indícios de que o PCP pode perder a sua posição no ranking partidário para o Chega, o que seria uma humilhação... 

Adenda (3)
Outro leitor, referindo-se à primeira adenda, acima, diz que seria uma «birra do PS», se este retirasse as concessões que já tinha feito ao BE e que até já constam da proposta de orçamento apresentada à AR. Discordo: se uma parte oferece certas vantagens a outra para chegar a um acordo e a segunda não aceita o acordo, então a primeira tem todo o direito de retirar a sua oferta. A meu ver, se o acordo proposto já era mau, manter as concessões sem acordo é péssimo.