quarta-feira, 21 de outubro de 2020

Praça da República (38): Onde a democracia falha em Portugal

1. No debate em que ontem participei com Alexandre Quintanilha e com Paulo Trigo Pereira, a propósito do livro do último sobre a democracia em Portugal (um livro de leitura obrigatória para quem se interesse pelo presente e futuro do regime democrático em Portugal), defendi que, embora Portugal se encontre muito bem posicionado nos rankings internacionais de qualidade da democracia (como os do Economist e da V-Democracy), há várias falhas que importa enfrentar, porque afetam o seu futuro. 
Entre esses falhas - défice de participação política (abstenção eleitoral, pouca intervenção nos mecanismos de democracia participativa), défice de cultura cívica e política (iliteracia cívica e irresponsabilidade política) e mau desempenho económico -, sublinhei a gravidade da última, pois, a não ser enfrentada, ela põe em causa a capacidade de sustentação do Estado social e, em última instância, a estabilidade da democracia liberal.

2. Com efeito, Portugal padece de uma prolongada situação de crescimento económico medíocre, resultado de baixa eficiência económica (produtividade) e insuficiente competitividade externa, que se reflete em desemprego elevado e emprego de baixa qualidade, baixos sálarios, fraco crescimento do rendimento pessoal, insuficiência de recursos fiscais (apesar dos impostos elevados), carência no financiamento dos serviços públicos, reduzido nível de investimento privado e público, elevado endividamento público, desequilíbrio e endividamento externo,.
Não admira, portanto, que Portugal vá descendo continuamente no ranking económico dos países da União Europeia, sendo regularmente ultrapassado pelos países do Leste, que, quando entraram na União, há menos de duas décadas, estavam bastante atrás de Portugal. 
Vamos caindo, irresponsavelmente, para o fundo da tabela.

3. Este mau desempenho económico estrutural tem a ver antes de mais com políticas públicas erradas (nomeadamente políticas económicas, orçamentais e fiscais), facilitadas por fatores políticos adversos (governos minoritários, partidos politicamente inconsistentes, incapacidade de negociação e de coligação interpartidária, falta de consenso sobre estratégia de longo prazo para o país), para os quais não tem havido a necessária resposta institucional e cultural.
Mas também contam muitos as falhas culturais ao nível individual e coletivo, por exemplo na preferência do gasto sobre a poupança, do endividamento sobre a prudência financeira, do consumo sobre o investimento, do imediato sobre o futuro, da dependência do Estado sobre a iniciativa e responsabilidade individual. 
Assim não vamos lá!