1. Foi há duzentos anos, em 31 de março de 1821, que as Cortes Constituintes decretaram a extinção do Tribunal do Santo Ofício, mais conhecido por Inquisição, por incompatível com as Bases da Constituição, que tinham sido aprovadas em 13 de março, e com a própria ideia da liberdade de consciência e de opinião.
Instituída em 1536 pela bula do papa Paulo III, a pedido do rei D. João III, seguindo o exemplo de Castela, a criação da Inquisição seguiu-se à expulsão ou conversão forçada de judeus e mouriscos em 1496 e marcou quase três séculos de perseguição da heterodoxia religiosa e da liberdade de crença e de opinião, atraves da tortura, do confisco e da execução dos hereges na fogueira, em hediondos autos-de-fé públicos, em Lisboa, Coimbra, Évora e Goa, num casamento maldito entre o Estado e a Igreja Católica.
2. Ainda que enfraquecida por ação do Marquês de Pombal, que a submeteu à autoridade régia, a Inquisição simbolizava ainda em 1821 tudo aquilo que a Revoluação Liberal não podia tolerar.
Embora sem ser acompanhada da revogação do decreto manuelino de expulsão nem do reconhecimento da liberdade de culto, a extinção da Inquisição punha fim a séculos de obscuratismo, de terror persecutório, de atraso cultural e de eliminação física ou emigração dos melhores espíritos do País.
Com a extinção da Inquisição, a Revolução Liberal começava a desconstruir o Antigo Regime. Quando veio a contrarrevoluação anticonstitucional em 1823, a extinção da Inquisição contou-se entre as poucas exceções à reversão geral da obra do triénio vintista.
Uma das páginas mais negras da história nacional tinha sido definitivamente rasgada, incluindo o resgate das suas inúmeras vítimas, sacrificadas no altar do sectarismo e do ódio religioso e do confessionalismo oficial do Estado.