1. Variados comentadores, incluindo Marques Mendes, erigiram a suposta promessa de uma nova maternidade em Coimbra, que António Costa teria feito numa sessão de campanha eleitoral nessa cidade, em caso exemplar de abuso de promessas eleitorais pelo Governo nas eleiçoes autárquicas. Mas é um mau exemplo.
Sucede, de facto, que a construção da nova maternidade - que visa substituir as duas existentes na cidade - está decidida há muito pelo Governo e só não tem avançado por divergência, que se mantém pelo menos há três anos, entre o Ministério da Saúde e a Câmara Municipal de Coimbra quanto à sua localização. O que Costa fez na referida sessão pública foi instar Machado, na perspetiva da sua reeleição, a superar essa divergência rapidamente, para a obra poder ser concretizada.
É de supor, aliás, que os demais investimentos públicos que o líder do PS tem referido noutros lugares também já estão previstos, nomeadamente no PRR nacional. Nem se compreenderia que o líder do partido de Governo andasse a prometer ad hoc novos investimentos públicos sem financiamento assegurado.
A realidade não corresponde, portanto, à narrativa dos apressados comentadores políticos.
2. A Comissão Nacional de Eleições resolveu contribuir para essa narrativa, ao aprovar uma "advertência" contra o o líder do PS (que é também primeiro-ministro) por estar alegadamente a pôr em causa a "neutralidade" dos órgãos do Estado nas disputas eleitorais, prescindindo, porém, de citar exemplos (estranhamente, a CNE não publica, como devia, as suas decisões no seu site).
Ora, não consta que alguma das intervenções de António Costa na campanha eleitoral tenha sido feita na capacidade de chefe do Governo ou que as deslocações tenham sido efetudas com meios do Estado, e seria totalmente despropositado e ilegítimo que o líder do PS, enquanto tal, visse diminuída a sua capacidade de intervenção na campanha eleitoral e de defesa das cores do seu partido, pelo facto de ser o primeiro-ministro.
Por um lado, nas eleições locais não se joga somente o ranking dos partidos políticos no poder local, visto que elas têm sempre uma leitura nacional em relação ao Governo em funções (dois governos demitiram-se em consequência de eleições locais). Por outro lado, como já aqui escrevi, AC tem toda a legitimidade para alertar os atuais candidatos ao poder local, nomeadamente os socialistas, para os novos poderes e os novos desafios que vão ter no próximo mandato, em virtude, respetivamente, da lei da descentralização e do PRR.
Em suma, a CNE não tem razão e interferiu indevidamente na campanha eleitoral, desrespeitando, ela sim, o dever qualificado de imparcialidade que se lhe impõe em relação às forças políticas em disputa nas eleições...