quarta-feira, 23 de março de 2022

Regionalização (6): Repetir os erros?

1. Só pode causar surpresa a inopinada declaração da Ministra da Reforma Administrativa, Alexandra Leitão, sobre uma «premente» necessidade de criar uma nova unidade territorial regional (NUTS II), do Oeste e Ribatejo, abrangendo provavelmente as sub-regiões (NUTS III) de Oeste, Médio Tejo e Lezíria do Tejo, hoje integradas na área de jurisdição territorial da CCDR de Lisboa e Vale do Tejo (LVT) (imagem acima). 

Em primeiro lugar, não se conhece nenhum estudo sobre essa matéria, que fundamente a proposta apresentada "clandestinamente" à Comissão Europeia em princípio de fevereiro(!). Em segundo lugar, não se compreende que uma tal decisão venha a ser feita à beira do fim do atual mandato governativo, sendo óbvio que a Ministra não pode deixar essa tarefa específica ao Governo que se segue. Por último, é incompreensível que, tendo o Governo anunciado explicitamente a retoma do processo de regionalização na base das cinco CCDR existentes - cuja jurisdição territorial coincide em geral com as cinco NUTS II e cujos presidentes o Governo fez eleger pelos autarcas das respetivas regiões, antecipando a sua desgovernamentalização  -, venha o mesmo Governo propor a criação de mais uma NUTS II, à última da hora! 

A questão é saber se se tratou somente de precipitação e insensatez política da Ministra...

2. É certo que as futuras autarquias regionais podem compreender mais do que uma NUTS II, pelo que a criação de mais uma não implicaria necessariamente a criação de mais uma autarquia regional.

Mas é preciso ser muito ingénuo para não ver que essa autonomização de mais uma NUTS II levaria imediatamente à exigência local da criação da correspondente autarquia regional, reduzindo a atual região de LVT à Área Metropolitana de Lisboa (AML). E depois viria do Norte igual pretensão de separar a AMP do resto da atual região Norte. Em vez das cinco regiões teríamos sete, e provavelmente mais, pondo em causa a necessária massa crítica das autarquias regionais e o compromisso de não aumentar nem o pessoal político nem os custos financeiros da regionalização.

3. Ora, é preciso não ignorar que um dos temas que mais contribuiu para a derrota do referendo da regionalização em 1998 foi a infundada fragmentação do mapa regional, para contemplar interesses locais, e que reabrir essa questão pode ser a receita para um novo desastre.

Penso, por isso, que o líder do PS e Primeiro-ministro deve assertivamente atalhar esta deriva antes que seja tarde e garantir que na AR (que tem de aprovar o mapa regional) e fora dela o PS não vai contribuir para mais uma derrota da regionalização (que seria obviamente definitiva).

[revisto]

Adenda
Embora concordando que não deve haver mais regiões do que as cinco CCDR existentes, um leitor entende que as três sub-regiões em causa deveriam ser separadas da AML e passar a integrar a região Centro. Para além de discordar desta opinião, é de sublinhar que para essa eventual transferência não seria necessário criar uma nova NUTS II, como defendeu a Ministra cessante, ecoando o lobby do PS e do PSD de Santarém, o qual, manifestamente, quer criar também uma nova autarquia regional, além das cinco previstas. Insisto neste ponto: reabrir o mapa regional é abrir uma "caixa de Pandora", pondo em causa o processo de regionalização.

Adenda 2
Um leitor chama a atenção para que, embora as três referidas sub-regiões integrem administrativamente a CCDR de LVT (incluindo a eleição do Presidente, participação no conselho regional, etc.), duas delas estão, porém, integradas na NUTS 2 do Centro (caso do Oeste e do Médio Tejo) e outra, na NUTS II do Alentejo (caso da Lezíria do Tejo), para efeitos de acesso aos fundos europeus (de modo a não serem prejudicadas pelo maior riqueza de Lisboa). É verdade que, desde 2002, passou a existir essa "descoincidência" territorial entre as áreas das CCDR e a das NUTS II, mas o que importa na descentralização regional é a autonomização e gestão democrática das tarefas, atuais e projetadas, das CCDR (desenvolvimento e planeamento regional, ambiente, etc.), pelo que não existe nenhuma razão para criar uma nova entidade regional.