sexta-feira, 15 de abril de 2022

Aplauso (23): A disciplina orçamental é de esquerda

1. Até há poucos anos, a frase do novo Ministro das Finanças, hoje em manchete no Expresso, de que «ter contas certas é uma política de esquerda», seria uma enorme heresia política, na boca de um dirigente socialista. 

Houve tempos em que 11-em-cada-10 pesssoas de esquerda consideravam o rigor orçamental e a disciplina das finanças públicas como dogmas da direita, com que a esquerda não podia alinhar, e em que a direita acusava as políticas de esquerda de só poderem ser financiadas com défice orçamental e com dívida pública, pondo em causa a estabilidade financeira do País. 

Sempre considerei essa tese ultrajante para a esquerda, cabendo aos governos socialistas desmenti-la na prática, provando, pelo contrário, que a responsabilidade orçamental é vital para uma política de esquerda.

2. Desde 2015, primeiro com Centeno e depois com Leão como ministros das Finanças, os governos do PS, apesar da "Geringonça", fizeram do equilíbrio orçamental e da diminuição da dívida pública condições essenciais para a redução dos encargos do financiamento do Estado e da economia. Um extraodinário desafio, globalmente bem sucedido, que a pandemia abalou mas não reverteu, como mostra o défice inferior a 3% no ano orçamental de 2021.

Além de se propor respeitar e coninura a seguir essa linha estratégica, Fernando Medina tem o mérito de a explicitar publicamente como credo doutrinário assumido da gestão financeira do PS no Governo. Uma frase para a história da esquerda-de-governo em Portugal. 

Agora, há que assegurar que a prática respeita a teoria e que a consolidação orçamental é para prosseguir com determinação.

Adenda
O principal problema deste orçamento é, como assinalou o Ministro, o elevado grau de incerteza sobre a evolução do quadro económico (inflação, clima económico, etc.), em consequência da guerra na Ucrânia - que ameaça prolongar-se e que afeta especialmente a UE. Preocupante é o facto de o BCE não acompanhar o endurecimento da política monetária de outros bancos centrais  no combate à inflação (EUA, Reino Unido, etc.), com o argumento do risco de «deterioração da confiança dos agentes económicos», a qual pode reduzir as perspetivas de crescimento económico que estão na base das previsões orçamentais e, consequentemente, pôr em causa as metas da consolidação orçamental.