1. A propósito do caso do secretário de Estado adjunto do Primeiro-Ministro, concordo com esta crítica bem argumentada contra a exigência de demissão automática dos titulares de cargos públicos, nomeadamente os membros do Governo, pelo simples facto de serem constituídos arguidos pelo Ministério Público de qualquer ato delituoso, mesmo antes de qualquer acusação judicial.
A demissão nessas circunstâncias pode significar a "morte política" da vítimas, mesmo que não venham a ser condenadas ou nem sequer submetidas a julgamento. Recordo com mágoa o sacrifício de um prometedor governante, o antigo secretário de Estado Fernando Rocha Andrade, entretanto falecido, que nunca mais recuperou do trauma que o injusto afastamento lhe provocou.
Sucede que a prática instituída não tem nenhuma base constitucional ou legal, afronta sumariamente o princípio da presunção de inocência antes de condenação judicial, afasta possíveis candidatos da carreira política e expõe os visados ao excesso de zelo ou mesmo à perseguição do Ministério Público, em busca do apoio fácil do comentariado político e da opinião pública.
2. Deve caber ao chefe do Governo decidir se, atendendo às circunstâncias de cada caso (gravidade da infração imputada, consistência dos indícios existentes, probabilidade de condenação, etc.), mantém ou não um membro da sua equipa eventualmente envolvido numa investigação penal, assumindo a responsabilidade política pela sua decisão. Impõe-se que Primeiro-ministro recupere o poder, que indevidamente deixou expropriar, de preservar na sua equipa aqueles em quem mantém confiança política.
É tempo de abandonar a pretensa regra que o populismo antipolítico triunfante gerou (no pressuposto de que "todos os políticos são malfeitores até prova em contrário"...) e que a falta de coragem política deixou vingar até agora. A cedência ao populismo só alimenta mais populismo.