segunda-feira, 20 de fevereiro de 2023

Não concordo (41): O caso do arrendamento compulsivo

1. Independentemente da questão da sua desconformidade constitucional (sobre que me pronuncio abaixo), considero um erro político a proposta de arrendamento compulsivo das habitações "devolutas" ao Estado no novo "pacote" de políticas de habitação.

Por um lado, os custos da sua implementação - dificuldades práticas de aplicação e, previsivelmente, um elevado contencioso entre proprietários e Estado - podem vir a superar as suas discutíveis vantagens. Por outro lado, sendo a falta de confiança no Estado por parte de investidores e proprietários um dos principais fatores do défice de construção e de oferta no mercado de arrendamento, uma medida tão intrusiva e tão "ideológica" como esta só pode agravar essa desconfiança. Desde há muito se sabe que a insegurança e a imprevisibilidade quanto aos direitos de propriedade são fatais para o investimento.

Um provável tiro pela culatra, portanto.

2. Quanto à questão constitucional, não concordo nem com quem entende que se trata de uma «medida equiparada à expropriação» (e, logo, inconstitucional à partida, por falta de previsão na CRP), nem com quem defende, inversamente, que não há nenhum problema, em virtude da «função social da propriedade».

Não tenha dúvidas de que, embora o direito à habitação (tal como os demais direitos sociais) seja exigível apenas ao Estado (em sentido amplo) e não aos proprietários privados, a sua realização por aquele pode, porém, justificar a restrição de direitos, liberdades e garantias de terceiros, como é o direito de propriedade e a liberdade contratual. Ponto é que se preencham os requisitos cosntitucionais da necessidade e da proporcionalidade das restrições em causa.

Ora, o que pode justamente questionar-se é saber se o mesmo objetivo - ou seja, a mobilização de habitações devolutas para o mercado de arrendamento - não poderia ser atingido por meios menos lesivos dos referidos direitos do que o arrendamento compulsivo ao Estado, designadamente através da penalização fiscal dessas situações e de incentivos fiscais ao arrendamento.

Tendo a pensar que sim.