1. Acentuando a sua compulsiva vertente de comentador político nesta entrevista dada à RTP e ao Público - em que, mais uma vez, falou sobre tudo e mais alguma coisa -, o Presidente da República permitiu-se fazer publicamente um balanço assaz crítico do primeiro ano do atual mandato governativo, assumindo o papel da oposição, o que manifestamente não cabe na sua função constitucional de "poder moderador", ou seja, de garante do regular funcionamento das instituições, de prevenção de abusos da maioria governamental e de proteção dos direitos da oposição.
No nosso sistema político-constitucional, o julgamento político do Governo não cabe ao PR, mas sim ao parlamento, perante o qual aquele é politicamente responsável. Por maior que seja a liberdade de expressão política do PR, ela deve ser instrumental em relação às suas funções constitucionais, não devendo servir para usurpar ilegitimamente o papel da oposição e da Assembleia da República, afrontando a separação de poderes.
2. Mais grave ainda, sob o ponto de vista institucional, é a insistência de MRS no apoio à greve dos professores, cuja luta se permitiu qualificar explicitamente como «justa», alimentando a continuação da greve e indo ao ponto de "convidar" o Governo a passar a sua "linha vermelha" nas negociações em curso com os sindicatos, no que respeita à recuperação integral do tempo de serviço não contado durante o período de intervenção financeira externa.
Tudo é negativo nesta abusiva intervenção presidencial neste litígio sobre uma política sectorial: é incompreensível que ele intervenha publicamente num conflito entre o Governo e os sindicatos e tome partido pelos segundos contra aquele e é péssimo que, em vez de chamar a atenção para o privilégio profissional dos professores - uma carreira plana, sem verdadeira avaliação de desempenho, em que virtualmente todos podem chegar ao topo da carreira -, opte por intimar o Governo a abrir os cordões à bolsa, agravando a despesa corrente permanente e pondo em causa o equilíbrio das contas públicas.
Acontece, que, segundo a Constituição, é ao Governo, em exclusivo, que cabe a condução das políticas públicas, pelas quais é politicamente responsável perante a AR e os eleitores, bem como, no que respeita à responsabilidade orçamental, perante a União Europeia. É este quadro institucional de competência e de responsabilidade política que a indevida ingerência do PR lamentavelmente subverte.