quarta-feira, 31 de maio de 2023

Memórias acidentais (22): Carlos de Oliveira

1. Acabo de ver na RTP1 o filme a Hora dos Lobos, realizado por Maria João Luís, baseado no romance de Carlos de Oliveira, Alcateia, de 1944. 

Apaixonei-me cedo, logo nos anos 60 do século passado, pela obra deste escritor (incluindo a Alcateia, que ele depois "enjeitou"), não somente pela singularidade da sua escrita no panorama da literatura neorrealista (Casa na Duna, Uma Abelha na Chuva, etc.), mas também pela evocação da paisagem geográfica e humana da Gândara, que me era familiar, pelas frequentes deslocações de bicicleta desde a minha adjacente aldeia bairradina até Cantanhede e à praia de Mira, por entre pinhais e lagoas perdidas no meio deles.

Por isso constituiu para mim um grande momento a oportunidade de o conhecer pessoalmente, em 1975, numa visita à sua casa em Lisboa - acompanhado do escritor Jorge Reis (autor de Matai-vos uns aos outros, 1962), que também só conheci depois da Revolução, no regresso do seu longo exílio em Paris. Recordo com emoção essas horas de conversa, ouvindo-o recordar os tempos de Coimbra e da Gândara dos anos 40, e o ambiente cultural e político que gerou a obra literária que eu tão bem conhecia e tanto admirava

2. Em 1982, a revista Vértice  - uma revista crucial na história do neorrealismo, de que ele fora colaborador, como todos os demais escritores identificados com o movimento -, de cuja redação eu era membro desde o final dos anos 60, resolveu organizar um número especial de homenagem a Carlos de Oliveira, falecido no ano anterior, que ajudei a planificar e para o qual contribuí com um estudo, intitulado Paisagem Povoada: a Gândara na obra de Carlos de Oliveira.

Muitos anos depois, em 2003,  tive oportunidade e o gosto de reeditar em livro uma versão revista desse texto, numa edição da Câmara Municipal de Cantanhede, acompanhada de uma antologia de textos seus (a começar pela Alcateia) e ilustrada com fotos minhas da região gandaresa. 

E, sempre que posso, regresso ao prazer da leitura da Finisterra ou da Micropaisagem, que estão entre o que de melhor nos legou o neorrealismo, no romance e na poesia