sábado, 28 de outubro de 2023

História constitucional (5): Desvendando uma falsificação histórica


1. Durante todos estes anos fui ensinando aos meus alunos de Direito Constitucional a história "canónica" da chamada Súplica constitucional de 1808, durante a ocupação napoleónica, como tendo sido uma iniciativa espontânea de um pequeno e incerto grupo de "afrancesados" (ou seja, simpatizantes da Revolução francesa), pedindo a Napoleão um rei francês e uma constituição semelhante à que ele outorgara ao ducado de Varsóvia em 1807, a qual teria sido apresentada pelo "juiz do povo" de Lisboa (o presidente dos ofícios da capital) à Junta dos Três Estados do Reino, onde, porém, fora liminarmente rejeitada. 

Em suma, tratou-se de um efémero e inconsequente episódio, de escassa relevância na história político-constitucional nacional...

2. Ora, numa investigação da minha parceria com o meu colega José Domingues, de que agora damos conta na JN / História [imagens acima], vimos defender que, ressalvando a existência da dita Súplica, tudo o resto naquela narrativa foi inventado por José Acúrsio das Neves, na sua história das invasões napoleónicas publicada em 1810, a fim de esconder o verdadeiro projeto de integração de Portugal na Europa napoleónica, mediante a nomeação de um rei pelo imperador francês, em substituição da dinastia de Bragança, e a outorga de uma constituição, pondo fim à monarquia absoluta, projeto esse consubstanciado num "voto geral da Nação", devidamente documentado, que foi aprovado, subscrito e assumido por toda a elite política e social do País. 

A Súplica era uma concretização desse magno projeto, pelo que, não fora o fim da ocupação francesa pouco depois, teria resultado na primeira constituição nacional.