segunda-feira, 13 de novembro de 2023

Ai, Portugal (12): O golpe de Estado

Depois desta primeira decisão judicial sobre o processo "Influencer", nenhum arguido fica detido e nenhum fica acusado de corrupção, o terrível crime que tanto jornalistas e comentadores sem escrúpulos como a imprensa de referência (como notei AQUI) brandiram durante estes dias contra o Governo e o PS.

A "inventona" judiciária - como a qualifiquei AQUI - malevolamente construída pelo Ministério Público começa a desmoronar-se, mas o golpe de Estado que ela consubstanciava foi muito bem sucedido, acrescentando à demissão do Primeiro-Ministro e do Governo a interrupção da legislatura e a convocação de novas eleições ("cortesia" do PR), sem esperar por nenhuma avaliação judicial da solidez da construção imaginária do MP.

No entanto, depois deste primeiro indício de esvaziamento da acusação, que sentido faz manter em suspenso a outra peça do golpe de Estado ainda em curso, que é abertura de inquérito penal ao Primeiro-Ministro, quando o seu objetivo (a demissão) já foi conseguido? Ainda resta à Procuradora-Geral da República uma reserva de brio e dignidade institucional suficiente para pôr fim a esta baixa provocação, retirando a queixa?

Adenda
Um leitor argumenta que, mesmo que o processo venha a dar em nada, por falta de matéria penal, «o problema é que os do MP conseguiram demitir o Primeiro-Ministro e abrir um crise política de enormes dimensões e não vão pagar por isso». Sim, é esse problema: o MP não pode continuar a ter o poder de, através de pseudoindícios criminais, sem controlo judicial prévio, fazer demitir governos e lançar o País numa enorme crise política, e depois os responsáveis, incluindo o Procurador-Geral, não serem chamados a responder pelos devastadores danos causados pela sua leviandade ou má-fé. Ao contrário dos juízes, o MP é um magistratura responsável, quer quanto ao PGR (responsabilidade político-institucional), quer quanto aos magistrados (responsabilidade disciplinar, civil e penal). Algo vai ter de mudar no estatuto e na conduta do Ministério Público

Adenda 2
Outro leitor observa que se mantém a suspeita relativa ao crime de tráfico de influência. Certo, mas não vejo como é que se pode transformar em tráfico de influências (supostamente promovido pela empresa, por intermédio de Lacerda Machado) uma típica operação de lobbying empresarial junto dos decisores políticos, que não tem nada de ilícito, e que normalmente é efetuada ou assistida por profissionais, próprios ou contratados ad hoc (bem remunerados). Por isso, a viabilidade de essa tentativa de prestidigitação conceptual vingar parece-me nula, desde logo em sede de acusação, e ainda menos em sede de julgamento, se lá chegar. Se se frustrar, como é de esperar, então esta pseudoinvestigação do MP fica reduzida ao que foi desde o início - uma "golpada" mal urdida (mas, ai de nós!, bem conseguida) contra o Governo em funções, à margem das instituições democráticas.

Adenda 3 (14/11)
No Podcast do Público de hoje, a questão e a de saber se «a credibilidade da justiça fica em causa com a libertação dos arguidos». A resposta, porém, é óbvia: pelo contrário, a credibilidade da justiça - que é missão dos tribunais - sai reforçada. Quem sai descredibilizado - por culpa própria - é o Ministério Público, que nesta operação desserviu a justiça.