domingo, 26 de janeiro de 2025

Estado social (13): Alerta do Tribunal de Contas


1. É bem-vindo este alerta do Tribunal de Contas na sua recente auditoria ao Relatório sobre a sustentabilidade financeira da Segurança Social, em especial quanto à sustentabilidade do sistema de pensões - que representa quase 80% da despesa de segurança social -, acusando-o de «não ser completo nem abrangente, prejudicando a compreensão dos riscos financeiros, económicos e demográficos que recaem sobre a sustentabilidade global com a proteção social».

Com efeito, por um lado, as pensões da Caixa Geral de Aposentações - relativas aos funcionários públicos entrados antes de 2006 - estão a ser financiadas em grande parte por transferências orçamentais, ou seja, por impostos, por causa da perda das contribuições dos novos funcionários, que passaram para o sistema geral; por outro lado, o sistema geral passou a beneficiar crescentemente dessas contribuições, sem contrapartida no pagamento de pensões, por os beneficiários ainda não terem atingido a idade da aposentação.

2. Por isso, a sustentabilidade do sistema de pensões só pode ser avaliada globalmente, entrando em linha de conta com os dois subsistemas, incluindo o défice crescente da CGA (por efeito da diminuição de subscritores e do aumento de pensionistas), em vez de olhar somente para o saldo positivo do sistema geral, claramente favorecido pela entrada das contribuições dos funcionários públicos depois de 2006. 

Ora, nessa visão abrangente, e ao contrário do que estamos habituados a ouvir, a conclusão que se obtém quanto à sustentabilidade financeira do sistema de pensões é tudo menos tranquilizadora, revelando um défice anual substancial nas próximas décadas.

3. Para reduzir este volume de transferências orçamentais e aumentar o autofinancimento da segurança social sem reduzir o valor das pensões nem aumentar as contribuições dos beneficiários, urge equacionar finalmente a solução - recentemente retomada pelo SG do PS -  de calcular a contribuição das empresas não somente em função da sua massa salarial, mas também em função do valor acrescentado que geram anualmente. 

Como defendo há muito, não faz sentido manter o atual incentivo à redução de trabalhadores através de soluções tecnológicas e fazer assentar o financiamento da segurança social essencialmente sobre as empresas produtoras de bens ou serviços trabalho-intensivos.
[Revisto, incluindo o aditamento do nº 3.]

Adenda
Um leitor objeta que na transferência orçamental para a CGA é preciso «descontar o valor correspondente à contribuição patronal, que sempre seria responsabilidade do Estado». É verdade, mas o número de subscritores da CGA é cada vez mais reduzido, à medida que se vão reformando, pelo que a transferência orçamental é em boa parte para cobrir o défice da Caixa, e vai aumentar. De resto, além de cobrir grande parte dessas pensões, a cargo da CGA, o Estado também suporta diretamente outros riscos da segurança social desses funcionários (doença, maternidade/paternidade, etc.), cujo montante, aliás, a análise do TC não calcula. Ou seja, o orçamento do Estado continua a financiar a maior parte da segurança social dos funcionários anteriores a 2006.

Adenda 2
Outro leitor observa que «o próprio sistema geral de segurança social também já é subsidiado por  receitas não contributivas, através de afetação da receita de certos impostos ao Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social  (FEFSS)». Isso é verdade, como sucede com o adicional ao IMI, a contribuição especial sobre o setor bancário, e uma percentagem do IRC e do IRS. A meu ver, além de se traduzir numa óbvia derrogação do princípio do autofinanciamento do sistema contributivo de segurança social, esse subsídio por via fiscal significa que as atuais gerações de contribuintes no ativo são chamadas a contribuir para o pagamento de pensões bastante mais generosas do que aquelas de que elas próprias vão beneficiar.